O que significa “terra que mana leite e mel”?
Como
entender Êxodo 3.8 se o clima é desértico e a água é escassa?
A perícope que trata da “missão de Moisés”, relatada no texto de Êxodo
3.7-12, traz em seu primeiro parágrafo uma expressão designativa à árida e
pedregosa terra de Canaã, como sendo uma terra na qual mana leite e mel.
O uso da expressão “terra que mana leite e mel”, bem como de expressões
correlatas pode ser achada com frequência nos textos do Oriente Médio antigo.
Nos escritos religiosos ugaríticos pode-se encontrar o regresso da fertilidade
a terra sendo aludido como “pequenos riachos do qual fluíam mel”. No contexto
egípcio, tanto encontraremos os textos egípcios antigos fazendo menção à terra
de Canaã como sendo rica em recursos naturais e cultiváveis, bem como veremos o
próprio povo israelita referindo-se a terra egípcia como sendo uma “terra que
mana leite e mel” (Números 16.13, 14). Nos próprios escritos israelitas, do
Primeiro Testamento, essa expressão ocorre por dezoito vezes, e, também se
registra a presença de frases correlatas.
Uma análise do uso dessa expressão no Primeiro Testamento nos conduzirá
à compreensão que ela é empregada como uma figura de linguagem de sinédoque da
espécie, ou seja, quando se aplica espécies específicas visando aludir o todo.
No texto de Êxodo 3.8, usa-se o “gotejar de leite e mel” em conexão com a ideia
de fertilidade e abundância na terra, uma vez que o leite era usado no texto
veterotestamentário como um símbolo de paz, prosperidade (Gênesis 49.12;
Deuteronômio 32.14; Jó 21.24; Isaías 7.22; Joel 3.18), bem como o mel de abelha
– que é o sentido contínuo que o o hebraico veterotestamentário faz de “dbash”
e mais condizente a um contexto pastoril, o que não dá margens para entender
aqui o mel proveniente do xarope feito a partir da popa de uva – eram
abundantes na terra. A ampliação do espiral interpretativo dessa frase, quando
vista no contexto do livro de Êxodo – 3.17; 13.5; 16.14, e, também, quando se
amplia um pouco mais para todo o Pentateuco, nos conduzirá a ver que ela é uma
descrição frequente e quase proverbial da parte montanhosa de Canaã com suas
possibilidades de exuberâncias de riquezas naturais.
Essa apresentação da Terra da Promessa como fértil e abundante a torna
idêntica aos olhos de peregrinos do deserto que tinham raízes e
expectativas em uma vida pastoril, e, por conseguinte, isso lhes servia como
estímulo para animarem-se a perseverar pela conquista dessa terra, enquanto
atravessavam o deserto, e assim a prometida terra deslumbrava-se como larga e
boa aos olhos do povo israelita (Deuteronômio 7.8). Deve-se considerar,
todavia, que apesar da apresentação de uma “terra que mana leite e mel”, esse
território sem uma intervenção divina era marcadamente inferior aos locais de
áreas agrícolas irrigadas, e isso lhes proporcionaria apenas uma tênue economia
de subsistência.
Uma análise dos textos onde aparece a frase “terra que mana leite e mel”
deixa claro que o desfrutar de uma terra fértil, produtiva e próspera estava
condicionado a ação de Israel em manter-se fiel e obediente à aliança
estabelecida com YHWH, e assim ocorreria a dádiva divina do envio das chuvas,
e, por conseguinte, a garantia da produção necessária para o sustento e
prosperidade do povo de Israel.
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