terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

A REVELAÇÃO


A Revelação

Sl 119.1-14; Ef 3.1-13; 2 Tm 3.14-17; Hb 1.1-4

Tudo o que sabemos sobre o Cristianismo nos foi revelado por Deus. Revelar significa "tirar o véu." Tem a ver com remover a cobertura e descobrir algo que está encoberto.

Quando meu filho era pequeno, nossa família desenvolveu uma tradição anual para comemorar seu aniversário. Em vez da prática geral de entregar os presentes, fazíamos isso por meio da nossa versão caseira do programa de televisão "Vamos Fazer um Trato." Eu escondia os presentes destinados a ele, por exemplo, dentro de uma gaveta, debaixo do sofá ou atrás de uma cadeira. Então lhe dava algumas opções: "Você pode ganhar o que está na gaveta da minha escrivaninha ou o que está no meu bolso". O ponto principal do jogo era o "grande trato do dia". Eu colocava três cadeiras, uma ao lado da outra, cada uma delas coberta com um lençol. Cada lençol encobria um presente. Na primeira cadeira colocávamos um presente simples, na Segunda o presente principal que ele iria ganhar e sobre a terceira uma muleta que ele havia usado quando quebrou a perna aos sete anos de idade.

Meu filho escolheu a cadeira com a muleta por três anos consecutivos! (No final, sempre permitíamos que trocasse a muleta pelo presente.) No quarto ano, estava determinado a não escolher mais a muleta. Desta vez, eu escondi o presente principal junto com a muleta, na mesma cadeira, e deixei a ponta da muleta aparecendo por baixo do lençol. Ao ver a ponta da muleta, meu filho evitou cuidadosamente aquela cadeira. Ganhei de novo!

A parte mais divertida da brincadeira era tentar adivinhar onde o presente estava escondido. Tratava-se contudo de um trabalho de mera suposição, pura especulação. A descoberta do verdadeiro tesouro só podia ser feita depois que o lençol era removido e o presente ficava exposto.

O mesmo acontece com o nosso conhecimento de Deus. A especulação fútil sobre Deus é mera tolice. Se queremos conhecê-lo de verdade, temos de depender daquilo que ele revela sobre si mesmo.

A Bíblia declara que Deus se revela de várias maneiras. Manifesta sua glória na natureza e por meio dela. Revelou-se nos tempos antigos por meio de sonhos e visões. As marcas da sua providência se manifestam nas páginas da História. Revela-se nas Escrituras inspiradas. O ponto mais alto da sua revelação é visualizado em Jesus Cristo, tornando-se ser humano – o que os teólogos chamam de "encarnação".

O autor da carta aos Hebreus escreveu: Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo. Hebreus 1.1,2.

Embora a Bíblia fale das "diversas maneiras" em que Deus se revela, distinguimos entre dois tipos principais de revelação – a geral e a especial.
A revelação geral é chamada assim por duas razões: (1) ela é geral no conteúdo e (2) é revelada para uma audiência geral.

Conteúdo Geral

A revelação geral nos proporciona o conhecimento de que Deus existe. "Os céus proclamam a glória de Deus", diz o salmista. A glória de Deus é manifesta nas obras das suas mãos. Essa manifestação é tão clara e visível que nenhuma criatura pode deixar de percebê-la. Ela revela o poder eterno de Deus e sua divindade (Rm.1.18-23). A revelação na natureza, porém, não proporciona uma revelação plena de Deus. Não nos dá informações sobre o Deus Redentor que encontramos na Bíblia. O Deus que se revela na natureza, entretanto, é o mesmo Deus que se revela na Bíblia.

Público Geral

Nem todas as pessoas no mundo já leram a Bíblia ou ouviram a proclamação do Evangelho. A luz da natureza, porém, brilha sobre todos, em todos os lugarem em todo o tempo. A revelação geral de Deus acontece diariamente. Deus nunca fica sem um testemunho de si mesmo. O mundo visível é como um espelho que reflete a glória do seu Criador.
O mundo é um palco para Deus. Ele é o ator principal, que aparece em primeiro plano e no centro. Nenhuma cortina pode fechar-se para obscurecer sua presença. Basta um olhar de relance na criação para se perceber que a natureza não é sua própria mãe. Não existe a tal "Mãe Natureza". A natureza em si mesma não tem poderes para produzir qualquer tipo de vida. A natureza, em si é estéril. O poder de produzir a vida reside no Autor da natureza – Deus. Colocar a natureza como a fonte de vida é confundir a criatura com o Criador. Todas as formas de adoração da natureza, portanto, são atos de idolatria e são abomináveis para Deus.
``A luz da força da revelação geral, todo ser humano sabe que Deus existe. O ateísmo envolve a negação total de algo que é reconhecido como verdadeiro. Por isso a Bíblia diz: "Diz o insensato no seu coração: Não há Deus." (Sl. 14.1). Quando as Escrituras tratam tão severamente o ateu, chamando-o de "insensato", elas estão fazendo um julgamento moral dele. Ser insensato, em termos bíblicos, não significa Ter pouco entendimento ou falta de inteligência; é ser imoral. Como o temor do Senhor é o princípio da sabedoria, assim a negação de Deus é o máximo da loucura.

 

Semelhantemente o agnóstico nega a validade da revelação geral. O agnóstico, porém, é menos berrante que o ateu. Ele não nega terminantemente a existência de Deus. Pelo contrário, ele declara que as evidências são insuficientes para se decidir de uma maneira ou de outra quanto à existência de Deus. Prefere suspender seu julgamento, deixando o tema da existência de Deus uma questão em aberto. À luz da clareza da revelação geral, entretanto, a posição do agnosticismo não é menos abominável para Deus do que a do ateísta militante.

Para qualquer pessoa, porém, cuja mente e coração estão abertos, a glória de Deus é maravilhosa de se ver – desde os bilhões de universos no firmamento, até as partículas subatômicas que formam a menor das moléculas. Que Deus incrível nós servimos!

 

 

Sumário

1. O cristianismo é uma religião revelada.

2. A revelação de Deus é uma auto-manifestação. Ele remove o véu que nos impede de conhecê-lo.

3. Não podemos conhecer a Deus por meio de especulação.

4. Deus se revelou de várias maneiras ao longo da História

5. A revelação geral é comunicada a todos os seres humanos.

6. O ateísmo e o agnosticismo são baseados na negação daquilo que as pessoas sabem ser a verdade.

7. A insensatez tem por fundamento a negação de Deus.

8. A sabedoria tem por fundamento o temor de Deus.

Autor:  R. C. Sproul
Fonte: 1º Caderno Verdades Essenciais da Fé Cristã – R.C.Sproul. Editora Cultura Cristã. Compre este livro em
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Revelação geral

"Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos." Salmo 19.1

O mundo de Deus não é um véu que esconde o poder e a majestade do Criador, pois "os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos"Salmo 19.1 A ordem natural prova que existe um Criador poderoso e cheio de majestade. Paulo diz a mesma coisa em Romanos 1.19-21 e em Atos 17.28 cita Arato, um poeta grego, como testemunha de que todo ser vivo foi criado pelo mesmo Deus. Paulo afirma também que a generosidade do Criador é evidente nas suas bondosas providências( Atos 14.17; cf Romanos 2.4) e que pelo menos algumas das exigências de sua lei estão patentes em cada consciência humana(Romanos 2.14-15), acompanhadas da desconfortável certeza do julgamento final(Romanos 1.32). Essas certezas evidentes são o conteúdo da revelação geral.

A revelação geral é assim chamada porque chega a cada um de nós simplesmente por vivermos no mundo de Deus. Deus tem se revelado desse modo desde o começo da história humana. Ele ativamente revela esses aspectos de si mesmo a todos, de modo que deixar de agradecer e servir ao Criador é sempre pecado contra o conhecimento. No final, nenhuma negação de termos recebido esse conhecimento será admitida.

Paulo usa a revelação universal do poder e da bondade de Deus como base para a sua acusação contra toda a raça humana como pecadora e culpada diante de Deus, por causa do nosso fracasso em servi-lo como devemos.(Romanas 1.18-3.19).

A revelação geral Deus acrescentou posteriormente a revelação de si mesmo como o Salvador de pecadores através de Jesus Cristo. Essa revelação, realizada na história e registrada nas Escrituras, é chamada de "revelação especial". Ela inclui afirmações verbais explícitas de tudo o que a revelação geral nos comunica a respeito de Deus.

Fonte : Bíblia de Estudo de Genebra, Nota teológica. Compre este maravilhosa Bíblia em http://www.cep.org.br



Revelação Geral Imediata e Mediata
Sl 19.1-4; At 14.8-18; At 17.16-34; Rm 1.18-23; Rm 2.14,15

Quando eu era menino e minha mãe queria que fizesse algo para ela sem demora, acentuava a ordem usando o adverbio imediatamente. Ela dizia: "Filho, vá para o seu quarto imediatamente."

Minha mãe usava a palavra imediatamente para referir-se a um evento no tempo que devia ocorrer sem qualquer bloco de tempo intermediário. Na teologia, o termo imediato significa algo mais. Significa que algo acontece sem passar por nenhum agente, objeto ou meio intermediários. É uma ação que ocorre sem a participação de intermediários.

Na teologia bíblica podemos distinguir dois tipos de revelação geral – aquela que é comunicada diretamente. Quando falamos de revelação geral imediata, nos referimos à revelação transmitida por meio de alguma coisa. Quando os céus revelam a Deus, tornam-se os mediadores, ou o meio pelo qual Deus manifesta sua glória. Neste sentido, todo o universo é um meio de revelação divina. A criação dá testemunho do seu Criador.

A Bíblia diz que toda a terra está repleta da glória de Deus. Lamentavelmente, com frequencia nós ignoramos essa glória que nos cerca. Temos a tendência de viver de maneira superficial. Estamos desatentos diante da maravilha que Deus nos proporciona em sua gloriosa criação. Estamos desligados e fora de contato. As idéias religiosas são inúteis se não expressam algo real.

A presença sublime de Deus está em toda a nossa volta. Ainda assim, muitas vezes estamos cegos e surdos para ela. Não compreendemos sua linguagem. Exige mais do que simplesmente parar para cheirar as flores. A flor contém mais do que um aroma suave ou um perfume agradável. Ela transpira a glória do seu Criador. Todos nós estamos em contato com a revelação divina, quando reconhecemos a glória de Deus na natureza e é revelada nela e por meio dela.
Além de revelar sua glória indiretamente por meio da criação, Deus também se revela diretamente à mente humana. Essa é chamada revelação geral imediata.

O apóstolo Paulo fala da Lei de Deus escrita em nosso coração (Rm.2.12-16). João Calvino falou sobre um senso do divino, o qual Deus implanta na mente de cada pessoa. Ele disse: Nós, inquestionavelemente, afirmamos que os homens têm em si mesmos certo senso da divindade; e isto, por um instinto natural. ... Deus mesmo dotou todos os homens com certo conhecimento de sua divindade, cuja memória ele constantemente renova e ocasionalmente amplia. (Institutas, II, 1,43).

Todas as culturas atestam a presença de alguma atividade religiosa, confirmando a incurável natureza religiosa da humanidade. Os seres humanos são religiosos no seu âmago. O caráter de tal religiosidade pode ser grosseiramente idólatra; mas até mesmo a idolatria, ou melhor, principalmente a idolatria, dá uma evidência desse conhecimento inato que pode ser distorcido, mas jamais destruído.

Lá bem no fundo da nossa alma nós sabemos que Deus existe e que nos deu suas Leis. Procuramos sufocar esse conhecimento a fim de escapar dos seus mandamentos. Por mais que nos esforcemos, porém, não podemos calar essa voz interior. Ela pode ser abafada, mas jamais ser destruída.


Sumário

1. A Glória de Deus é evidente em toda a nossa volta. Ela é mediata pela criação de Deus.

2. Os seres humanos são religiosos por natureza.

3. Deus implanta em todos os seres humanos um conhecimento inato de si mesmo. Isso se chama revelação geral imediata.

Autor:  R. C. Sproul
Fonte: 1º Caderno Verdades Essenciais da Fé Cristã – R.C.Sproul. Editora Cultura Cristã. Compre este livro em
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Culpa
O Efeito da Revelação Geral

O que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhe manifestou”. Romanos 1.19

A Escritura admite, e a experiência confirma, que os seres humanos inclinam-se naturalmente por uma forma de religião, embora falhem em adorar seu Criador, cuja revelação geral de si mesmo torna-o conhecido universalmente. O ateísmo teórico e o monoteísmo moral são opostos naturais: o ateísmo é sempre uma reação contra a crença pré-existente em Deus ou deuses, e o monoteísmo moral somente surgiu no despertar da revelação especial.

A Escritura explana este estado de coisas dizendo-nos que o pecado do egoísmo e da aversão às prescrições de nosso Criador conduz a humanidade à idolatria, o que significa transferir a adoração e reverência a outro poder ou objeto que não o Deus Criador (Is 44.9-20; Rm 1.21-23; Cl 3.5). Desta maneira, os humanos apóstatas “suprimiram a verdade” e “mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis” (Rm 1.23). Eles sufocam e extinguem, tanto quanto podem, a consciência que a revelação geral lhes dá do Criador-Juiz transcendente, e com seu inextirpável senso de deidade se apegam a objetos indignos. Isto, ao revés, leva a um drástico declínio moral, com a conseqüente miséria, como primeira manifestação da ira de Deus contra a apostasia humana (Rm 1.18,24-32).

No momento atual, no Ocidente, as pessoas idolatram e, na realidade, adoram objetos seculares, tais como a empresa, a família, o futebol e sensações agradáveis de várias espécies. Mas, o declínio moral persiste como resultado, tal como ocorreu quando os pagãos adoraram ídolos literais nos tempos bíblicos.

Os seres humanos não podem suprimir completamente sua percepção de Deus, bem como de seu julgamento presente e futuro; o próprio Deus não permitirá que o façam. Algum sentido do que é certo e errado, como também de ser submetido a um Juiz divino, sempre permanece. Em nosso mundo decaído, todas as mentes que não estão de algum modo anestesiadas têm uma consciência que, em certos pontos, as dirige e, de tempos em tempos, as condena, dizendo-lhes que devem sofrer pelos erros cometidos (Rm 2.14ss.); e quando a consciência fala nestes termos é, na verdade, Deus quem está falando.

A humanidade arruinada é, em certo sentido, ignorante de Deus, uma vez que o que as pessoas gostam de crer, e de fato crêem, com vistas ao objeto de seu culto falseia e distorce a revelação de Deus, da qual não podem escapar. Em outro sentido, contudo, todos os seres humanos permanecem cônscios de Deus, de modo culpável, com desconfortáveis pressentimentos do julgamento vindouro, que esperam não se cumpra. Somente o evangelho de Cristo pode falar de paz a esse aflito aspecto da condição humana.

Autor: J. I. Packer
Fonte: Teologia Concisa, pg. 11,12, Ed. Cultura Crista. Compre este livro em
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Os Profetas de Deus
Dt 18.15-22; Is 6; Jl 2.28-32; Mt 7.15-20; Ef4.11-16

Os profetas do Antigo Testamento foram pessoas que receberam um chamado único de Deus e que receberam suas mensagens de maneira sobrenatural, as quais deveriam transmitir a nós. Deus transmitiu sua palavra através dos lábios e  dos escritos dos profetas.

A profecia envolvia predição do futuro (preanunciar) e proclamação e exortação atuais da palavra de Deus (anunciar em seguida). Os profetas eram revestidos de tal maneira pelo Espírito Santo que suas palavras eram palavras de Deus. Por isso as mensagens geralmente eram prefaciadas com a frase: "Assim diz o Senhor".

Os profetas foram os reformadores da religião de Israel. Chamavam o povo de volta à adoração pura a Deus. Embora os profetas fossem críticos quanto à maneira como a adoração dos israelitas freqüentemente se degenerava num mero ritual, eles não condenavam nem atacavam as formas originais de adoração que Deus havia dado a seu povo. Os profetas não eram revolucionários nem anarquistas religiosos. Sua tarefa era purificas, não destruir; reformar, não substituir o culto de Israel.

Os profetas também se preocupavam profundamente com a justiça social e a integridade. Eram a consciência de Israel, chamando o povo ao arrependimento. Também funcionavam como promotores legais da aliança de Deus. Eles "intimavam" a nação por ter violado os termos da aliança com Deus.

Os profetas falavam com autoridade divina porque Deus os chamava especificamente para serem seus porta-vozes. Não herdavam sua função, nem eram eleitos para exercê-la. O chamado imediato de Deus, justamente com o poder do Espírito Santo, constituíam as credenciais dos profetas.

Os falsos profetas foram um problema constante em Israel. Ao invés de proferir os oráculos de Deus, transmitiam seus próprios sonhos e opiniões - dizendo ao povo somente o que este queria ouvir. Os verdadeiros profetas freqüentemente eram perseguidos e rejeitados por seus contemporâneos por se recusarem a comprometer a proclamação de todo o conselho de Deus.

Geralmente, os livros dos profetas são divididos em "profetas maiores" e "profetas menores". Essa distinção não se refere à maior ou menor importância dos profetas, mas ao volume dos seus escritos canônicos. Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel são chamados de profetas maiores, porque escreveram mais, enquanto que Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias são referidos como os profetas menores, porque seus escritos são bem menores.

Os apóstolos do Novo Testamento possuíam muitas das características dos profetas do Antigo Testamento. Os apóstolos e os profetas juntos são considerados como o fundamento da igreja.

Sumário

1. Os profetas do Antigo Testamento foram agentes da revelação divina.

2. A profecia envolvia pré-anúncio e anúncio.

3.  Os profetas  foram os reformadores do culto e da vida dos israelitas.

4. Somente aqueles chamados diretamente por Deus tinham autoridade para serem profetas.

5. Os falsos profetas expressavam suas próprias opiniões e falavam o que o povo queria ouvir.

6. Profetas maiores e menores são designados assim de acordo com o volume e  não pela importância dos seus escritos.

Autor:  R. C. Sproul
Fonte: 1º Caderno Verdades Essenciais da Fé Cristã – R.C.Sproul. Editora Cultura Cristã. Compre este livro em
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A Revelação Especial e a Bíblia
Sl 119; Jo 17.17; 1 Ts 2.13; 2 Tm 3.15-17; 2 Pe 1.20,21

Quando foi tentado por Satanás no deserto, Jesus o repreendeu com as palavras: "Está escrito: Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus" (Mt.4.4). Historicamente, a igreja tem feito ecoar o ensino de Jesus, afirmando que a Bíblia é a vox Dei, a "voz de Deus" ou o verbum Dei, a "Palavra de Deus’. Chamar a Bíblia de "a Palavra de Deus" não significa sugerir que ela foi escrita pela própria mão de Deus, ou que caiu do céu num pára-quedas. A própria Bíblia claramente chama a atenção para seus muitos autores humanos. Se a estudarmos cuidadosamente, percebemos que cada autor humano tem seu próprio estilo literário peculiar, seu próprio vocabulário, ênfase especial, perspectiva e outros aspectos. Já que a produção da Bíblia envolveu esforço humano, como pode ser ela considerada Palavra de Deus?

A Bíblia é chamada de Palavra de Deus por causa da sua reivindicação, crida pela igreja, de que os escritores humanos não escreveram simplesmente suas próprias opiniões, mas que suas palavras foram inspiradas por Deus. O apóstolo Paulo escreve: "Toda Escritura é inspirada por Deus" (2 Tm. 3.16). A palavra inspiração é uma tradução da palavra grega que significa "sopro de Deus". Quer dizer, Deus soprou a Bíblia. Assim como temos de expelir ar de nossa boca quando falamos, assim, em última análise, a Bíblia é Deus falando.

Embora a Bíblia tenha chegado a nós por intermédio das mãos de autores humanos, a fonte suprema das Escrituras é Deus. Por isso os profetas podiam prefaciar suas palavras, dizendo: "Assim diz o Senhor". Por isso Jesus também podia dizer: "A tua palavra é a verdade" (Jo. 17.17) e "a Escritura não pode falhar" (Jo. 10.35).

A palavra inspiração também chama a atenção par ao processo pelo qual o Espírito Santo superintendeu a produção da Bíblia. O Espírito guiou os autores humanos para que as palavras deles não fossem nada menos que a Palavra de Deus. Não sabemos como Deus superintendeu a redação original da Bíblia. Inspiração, entretanto, não significa que Deus ditou sua mensagem para aqueles que redigiram a Bíblia. Ao invés disso, o Espírito Santo comunicou as exatas palavras de Deus por intermédio dos escritores humanos.

Os cristãos afirmam a infalibilidade e a inerrância da Bíblia porque, em última análise, Deus é o seu autor. E porque Deus é incapaz de inspirar algo falso, sua palavra é totalmente verdadeira e digna de toda confiança. Qualquer literatura humana, elaborada pelos meios normais, está sujeita a erros. A Bíblia, porém, não é um projeto humano normal. Se a Bíblia foi inspirada por Deus e sua redação foi supervisionada por ele, então não pode ter erros.

Isso significa que as traduções da Bíblia que temos hoje não estejam isentas de erro, mas que os manuscritos originais eram absolutamente corretos. Isso também não significa que cada declaração da Bíblia seja a expressão da verdade. O escritor do livro de Eclesiastes, por exemplo, declara que "no além para onde tu vais, não há obra, nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria alguma" (Ec.9.10). O escritor estava falando do ponto de vista do desespero humano e sabemos que esta declaração não expressa a verdade, de acordo com outros textos bíblicos. A Bíblia expressa a verdade até mesmo ao revelar a falsa argumentação de um homem desesperado.

Sumário

1. A inspiração é o processo por meio do qual Deus soprou sua palavra.

2.  Deus é a fonte suprema da Bíblia.

3. Deus é o superintendente da Bíblia.

4. Somente os manuscritos originais da Bíblia eram isentos de erros.

Autor:  R. C. Sproul
Fonte: 1º Caderno Verdades Essenciais da Fé Cristã – R.C.Sproul. Editora Cultura Cristã. Cpmpre este Livro em
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Figura central da Revelação Bíblica

Jesus é a figura central da Revelação bíblica. O âmago ou cerne da mensagem de Deus contida nas paginas da Bíblia para o coração humano é Jesus, de sorte que, sem ter em vista a sua personalidade, não se pode ler com proveito a Bíblia.
Meditando na relação inseparável que existe entre a pessoa de Cristo e a bíblia, fizemos as seguintes observações:

1 – Ele é o grande objetivo do Velho e do Novo Testamento.

É ele o alvo para o qual tudo converge no Velho Testamento e o centro em torno do qual tudo gira em o Novo Testamento.
Alem das profecias messiânicas citada nas lições anteriores, poderíamos lembrar que o Velho Testamento esta´  repleto de símbolos, alegorias e tipos de Jesus Cristo.
Há pessoas, ofícios, ritos, cerimônias e acontecimento Históricos que falam de Jesus, Hb 8 a 10, Lc 24.44.

2 – Jesus Cristo, a maior maravilha de todos os tempos, é o segredo do valor incomparável da Bíblia.

A principal razão de ser a Bíblia, o Livro dos livros, é a pessoa de Jesus cristo revelado em suas paginas.
Esta afirmação ao diminui o valor intrínseco das Escrituras, que são o engaste de ouro digno da Grande Perola – Jesus. Ao contrario até, pois da Bíblia depende o nosso conhecimento de Jesus Cristo.
Os únicos documentos autênticos pelos quais se pode conhecer o Cristo real e histórico são os Evangelhos. Estes não fazem parte, apenas, da Bíblia mas estão, com o  Velho Testamento, inseparavelmente entrelaçados, como já vimos.

3 – Jesus Cristo é a chave para a boa inteligência da Bíblia.

A Sua Pessoa permeia e explica a Bíblia, em toda a parte, Jo 5.39 e At 8.30-35. Aos discípulos no caminho de Emaús, Jesus apareceu e ensinou que o Velho Testamento falava de Sua Pessoa, de sua morte e de Sua Ressurreição, Lc 24.25-27 e 44. Pois a expressão: “Moises, profetas e salmos” significa tríplice divisão do Velho Testamento, ou seja, da Bíblia hebraica.

Autor: Guilherme Kerr
Fonte: ABC Doutrinário do Candidato a publica profissão de Fé; pg 19-20; Casa editora Presbiteriana. Compre este livro em
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A BÍBLIA

Origem da Bíblia

A Bíblia não é um livro qualquer. A origem dela está em Deus, que falou através de homens separados para registrar sua Palavra. Sabemos que a questão do caráter humano das Escrituras é algo acidental ou periférico: os homens escolhidos por Deus para registrar as Escrituras eram pessoas de carne e osso, que viveram em determinado período histórico enfrentando problemas específicos. Não há lugar para nenhum docetismo: os autores secundários tiveram um papel ativo e passivo. No entanto, devemos também acentuar, e este é o nosso ponto neste texto [1], que o Espírito chamou seus servos, revelou a si mesmo e sua mensagem, dirigiu, inspirou e preservou os registros feitos por esses homens. Como afirmou Gerard Van Groningen:

O Espírito Santo habitou em certos homens, inspirou-os, e assim dirigiu-os que eles, em plena consciência, expressaram-se na sua singular maneira pessoal. O Espírito capacitou homens a conhecer e expressar a verdade de Deus. Ele impediu-os de incluir qualquer coisa que fosse contrária a essa verdade de Deus. Ele também impediu-os de escrever coisa que não eram necessárias. Assim, homens escreveram como homens, mas, ao mesmo tempo, comunicaram a mensagem de Deus, não a do homem [2].

Essa compreensão, que advém das próprias Escrituras, caracteriza distintamente o cristianismo: os profetas não falaram aleatoriamente o que pensavam; antes, “testificaram a verdade de que era a boca do Senhor que falava através deles” [3]. Sobre essa questão Calvino declarou:

Eis aqui o principio que distingue nossa religião de todas as demais, ou seja: sabemos que Deus nos falou e estamos plenamente convencidos de que os profetas não falaram de si próprios, mas que, como órgãos do Espírito Santo, pronunciaram somente aquilo para o qual foram do céu comissionados a declarar. Todos quantos desejam beneficiar-se das Escrituras devem antes aceitar isto como um principio estabelecido, a saber: que a lei e os profetas não são ensinos passados adiante ao bel-prazer dos homens ou produzidos pelas mentes humanas como uma fonte, senão que foram ditados pelo Espírito Santo [4].

Nas Escrituras temos todos os livros que Deus quis que fossem preservados para nossa edificação:

Aquelas [epístolas] que o Senhor quis que fossem indispensáveis à sua Igreja, Ele as consagrou por sua providência para que fossem perenemente lembradas. Saibamos, pois, que o que foi deixado nos é suficiente, e que sua insignificância não acidental; senão que o cânon das Escrituras, o qual se encontra em nosso poder, foi mantido sob controle através do grandioso conselho de Deus [5].

Nota:

[1] Veja, para uma perspectiva mais ampla, Hermisten M. P. Costa, Inspiração e inerrância das Escrituras: uma perspectiva reformada, Casa Editora Presbiteriana (www.cep.org.br)

[2] Revelação messiânica no Velho Testamento, p. 64-65.

[3] João Calvino, As pastorais, p. 262.

[4] As Pastorais, p. 262.  E outro lugar Calvino diz que os apóstolos foram “certos e autênticos amanuenses do Espírito Santo” (As institutas, IV.8.9). No entanto, devemos entender que Calvino usa essa expressão não para sustentar o “ditado” divino, mas para demonstrar que os apóstolos não criaram da própria imaginação sua mensagem, antes a receberam diretamente do Espírito. Ou seja, ele se refere ao resultado do registro, não ao processo em si. Entedia que Moisés escreveu os cinco livros da Lei “não somente sob a orientação do Espírito do Deus, mas porque Deus mesmo os tinha sugerido, falando-lhes com palavras de sua própria boca” (Calvin’s Commentaries, vol. III, p. 328).

[5]João Calvino, Efésios, p. 86, Editora Parakletos

Autor: Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

Fonte: Fundamentos da teologia reformada, pg. 42-44, Editora Mundo Cristão. Compre este Maravilhoso livro em www.mundocristao.com.br.



Paradoxo, Mistério e Contradição
Mt 13.11; Mt 16.25; Rm 16.25-27; 1 Co 2.7; 1 Co 14.33

A influência de vários movimentos em nossa cultura, tais como a Nova Era, as religiões orientais e a filosofia irracional tem provocado uma crise no entendimento. Uma nova forma de misticismo tem surgido, a qual exalta o absurdo como a marca registrada da verdade religiosa. Lembremo-nos da máxima do Zen Budismo, de que "Deus é uma mão batendo palmas" como uma ilustração desse padrão.

Dizer que Deus é uma mão batendo palmas tem uma ressonância profunda. Tal afirmação confunde a mente consciente, pois é um golpe nos padrões normais de pensamento. Soa "profundo" e intrigante, até analisarmos cuidadosamente e descobrirmos que na raiz é simplesmente destituída de sentido.
A irracionalidade é um tipo de caos mental. Fundamenta-se na confusão que se opões ao Autor de toda a verdade, o qual não é de forma alguma autor de confusão.

O Cristianismo bíblico é vulnerável a tais correntes de irracionalidade exaltada, porque irracionalidade admite candidamente que existem muitos paradoxos e mistérios na própria Bíblia. Existem linhas que separam o paradoxo, o mistério e a contradição; embora sejam tênues, essas linhas divisórias são cruciais e é importante que aprendamos a distingui-las.

Quando tentamos perscrutar as profundezas de Deus, somos facilmente confundidos. Nenhum mortal pode compreender a Deus exaustivamente. A Bíblia revela coisas sobre Deus que sabemos serem verdadeiras, a despeito da nossa incapacidade de entendê-las totalmente. Não temos um ponto de referência humano para entender, por exemplo, um ser que é três em termos de pessoa, mas um só em essência (a Trindade), ou um ser que é uma pessoa com duas naturezas distintas, humana e divina (a pessoa de Cristo). Essas verdades, tão certas, como são, são "elevadas" demais para podermos compreendê-las.

Encontramos problemas similares no mundo natural. Sabemos que a força da gravidade existe, mas não a entendemos e nem tentamos defini-la como irracional ou contraditória. A maioria das pessoas concorda que o movimento é uma parte integrante da realidade, embora a essência do movimento em si tenha deixado filósofos e cientistas perplexos por milênios. Isso, porém, não justifica um salto no absurdo. A irracionalidade é fatal tanto para a religião como para a ciência. De fato, ela é mortal para qualquer verdade.

O filósofo cristão Gordon H. Clark certa vez definiu um paradoxo como "uma cãibra entre as orelhas’. Seu comentário espirituoso destina-se a destacar que aquilo que às vezes é chamado de paradoxo frequentemente nada mais é do que preguiça mental. Clark, entretanto, reconhecia claramente o papel legítimo e a função do paradoxo. A palavra paradoxo vem de uma raiz grega que significa "parecer ou aparentar". Paradoxos são difíceis de entender porque à primeira vista "parecem" contradições, mas quando são sujeitos a um exame minucioso, frequentemente pode-se encontrar as soluções. Por exemplo, Jesus disse: "Quem perde a vida por minha causa achá-la-á" (Mt.10.39). Aparentemente, isso soa semelhante à declaração de que "Deus é uma mão batendo palmas". Soa como vida em um sentido, irá encontrá-la em outro sentido. Já que a perda e a salvação têm sentidos diferentes, não há contradição. Eu sou pai e filho ao mesmo tempo, mas obviamente não há contradição. Eu sou pai e filho ao mesmo tempo, mas obviamente não no mesmo relacionamento com a mesma pessoa.

O termo paradoxo é frequentemente mal-interpretado como sendo sinônimo de contradição; agora, inclusive, aparece em alguns dicionários como um significado secundário desse termo. Uma contradição é uma afirmação que viola a lei clássica da não contradição. A Lei da não-contradição declara que A não pode ser A e não-A ao mesmo tempo e no mesmo contexto. Quer dizer, algo não pode ser o que é e não ser o que é ao mesmo tempo e no mesmo contexto. Essa é a mais fundamental de todas as leis da lógica.

Ninguém pode entender uma contradição, porque uma contradição é inerentemente incompreensível. Nem mesmo Deus pode entender contradições; entretanto, certamente ele pode reconhecê-las pelo que são – falsidades. A palavra contradição vem do latim "falar contra". Às vezes é chamada uma antinomia, que significa "contra a lei". Para Deus, falar em contradições seria ser intelectualmente anormal, falar com uma língua bipartida. Até mesmo insinuar que o Autor da verdade poderia cair em contradição seria um grande insulto e uma blasfêmia irresponsável. A contradição é a arma do mentiroso – o pai da mentira, que despreza a verdade.

Existe uma relação entre mistério e contradição, que facilmente nos leva a confundir ambos. Não entendemos mistérios. Não podemos entender contradições. O ponto de contato entre ambos os conceitos é seu caráter ininteligível. Os mistérios podem não ser claros para nós agora simplesmente porque nos falta a informação o u a perspectiva para entendê-los. A Bíblia promete que no céu teremos mais luz sobre os mistérios que agora não podemos entender. Mais luz pode resolver os atuais mistérios. Não existe, entretanto, luz suficiente nem no céu nem na Terra para resolver uma óbvia contradição.

Sumário

1. Paradoxo é uma contradição aparente que, quando examinada com mais cuidado, pode apresentar uma solução.

2. Mistério é algo desconhecido para nós no presente, mas que pode ser solucionado.

3. Contradição é uma violação da Lei da não-contradição. É impossível ser resolvida, tanto pelos mortais como pelo próprio Deus, tanto neste mundo como no mundo vindouro.

Autor:  R. C. Sproul
Fonte: 1º Caderno Verdades Essenciais da Fé Cristã – R.C.Sproul. Editora Cultura Cristã. Compre este livro em
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 Entendendo a palavra de Deus

"Dá-me entendimento, guardarei a tua lei; de todo o coração a cumprirei". Salmo 119.34

Todos os cristãos tem o direito e o dever não só de aprender a respeito da herança da fé ensinada pela Igreja, mas também de interpretar as Escrituras por si mesmos. A igreja de Roma, durante certa época, proibiu essa prática, alegando que os indivíduos facilmente interpretariam mal as escrituras.

A Confissão de Westminster concorda que, nas Escrituras, "não são todas as coisas igualmente claras em si, nem do mesmo modo evidentes a todos", mas afirma também claramente a autoridade dos crentes individualmente de lerem a Bíblia por si mesmos..."não só os doutos, mas ainda os indoutos, no devido uso dos meios ordinários , podem alcançar uma suficiente compreensão delas". Os "meios ordinários"incluem princípios de interpretação tais como os que seguem.

A Bíblia é inspirada por Deus, e suas palavras continuam sendo palavras de Deus, mas a Bíblia é também produto de escritores humanos. Compreender isso é essencial. Nenhuma alegoria ou outro método fantasioso que ignora o sentido original expresso do escritor será apropiada.

Cada livro foi escrito, não em código, mas de um modo que pudesse ser entendido pelos leitores a quem foi dirigido. Isso é verdade mesmo a respeito de livros tais como Daniel, Zacarias e Apocalipse, que se valem principalmente de simbolismo; mas a verdade principal é sempre clara, mesmo que os detalhes sejam nebulosos.

Por isso, quando entendemos as palavras usadas, o fundo histórico, as convenções culturais do escritor e de seus leitores, estamos na direção certa para entender os pensamentos comunicados. Porém uma compreensão espiritual , isto é, o discernimento da realidade de Deus, seu modo de tratar com o seu povo, sua vontade presente e o próprio relacionamento do homem com Ele não chegará a nós, a partir do texto, a menos que o véu seja removido do nosso coração e sejamos capazes de participar da própria paixão que o escritor tem por Deus( 2 Coríntios 3.16; 1 Coríntios 2.14). Devemos orar para que o Espírito de Deus gere em nós essa paixão e nos mostre Deus no texto.

(Ver Salmo 119 versículos 18, 19, 26,27,33,34,73,125,144 e 169 - Efésios 1.17-19 e 3.16-19).

Cada livro tomou a sua forma em um tempo específico no processo da revelação da graça de Deus. Esse tempo e lugar dever ser levados em conta quando se interpreta o texto. Os Salmos, por exemplo, apresentam o coração piedoso de qualquer época, mas expressam suas orações e louvores em termos das realidades da vida da graça antes da vinda de Cristo - Tal como a lei cerimonial, o sistema sacrificial e o papel de Israel como um reino teocrático.

Cada livro procedeu da mesma mente divina; por isso o ensino dos sessenta e seis livros(66) da Bíblia é complementar e coerente. Se ainda não podemos perceber isso, a falta está em nós e não nas Escrituras. As Escrituras em parte alguma se contradizem; mais do que isso, uma passagem explica outra. Esse sadio princípio de interpretar as Escrituras pelas Escrituras é, às vezes, chamado de analogia das Escrituras ou analogia da fé.

Cada livro mostra a imutável verdade a respeito de Deus, sobre o mundo e sobre a vontade de Deus para as pessoas, aplicada e ilustrada por situações particulares. O estágio final da interpretação bíblica é a reaplicação de suas verdades às situações de nossa vida hoje. Este é o modo de discernir aquilo que Deus, nas Escrituras, nos está dizendo neste momento. Exemplos de tais reaplicações são a compreensão por Josias da ira de Deus ante o fracasso de Judá em observar a sua lei(2 Reis 22 - 8-13), a argumentação de Jesus sobre Gênesis 2.24(Mateus 19.4-6) e o emprego que Paulo fez de Gênesis 15.6 e Salmo 32.1-2, para mostrar a realidade da presente justificação pela fé(Romanos 4.1-8).

Nenhum significado deve ser atribuído às Escrituras que não possa, com certeza, ser encontrado nela, isto é, que não possa ser mostrado como inequivocamente por um ou mais dos escritores humanos.

A observação cuidadosa e piedosa dessas regras é uma marca de todo cristão que "maneja bem a palavra da verdade"( 2 Timóteo 2.15)

Fonte : Bíblia de Estudo de Genebra, página 703, Ed. Cep. Compre esta maravilhosa bíblia em http://www.cep.org.br .



A autoridade da Bíblia

 Nota:   AT = Antigo Testamento ; NT= Novo Testamento

EXPLICAÇÃO E BASE BÍBLICA

 A autoridade da Escritura significa que todas as palavras da Escritura são palavras de Deus de tal modo que descrer ou desobedecer a qualquer palavra da Escritura é descrer ou desobedecer a Deus.
Essa definição pode agora ser examinada em suas várias partes.
Todas as palavras na Escritura são palavras de Deus.

1. Isso é o que a Bíblia declara sobre si própria.

Há freqüentes declarações na Bíblia de que todas as palavras da Escritura são palavras de Deus (assim como palavras que foram escritas por homens). No AT, isso é muitas vezes visto na frase introdutória “Assim diz O SENHOR”, que aparece centenas de vezes. No mundo do AT, essa frase teria sido reconhecida como idêntica na forma à frase “Assim diz o rei...”, que era usada para prefaciar o edito de um rei aos seus súditos, um edito que não poderia ser desafiado ou questionado, mas que simplesmente deveria ser obedecido. Portanto, quando os profetas dizem “Assim diz o SENHOR”, afirmam ser mensageiros do soberano Rei de Israel, a saber, o próprio Deus, e estão declarando que suas palavras são palavras totalmente plenas da autoridade de Deus. Quando o profeta falava no nome de Deus desse modo, cada palavra que ele falava tinha de proceder de Deus, ou ele seria um falso profeta (cf. Nm 22.38;Dt 18.18-20; Jr 1.9; 14.14; 23.16-22; 29.31,32; Ez 2.7; 13.1-16).
Além disso, é muitas vezes dito que Deus fala “por meio” do profeta (1 Rs 14.18; 16.12,34; 2Rs 9.36; 14.25; Jr 37.2; Zc 7.7, 12).Assim, o que o profeta diz em nome de Deus é Deus quem diz (1 Rs 13.26 com v.21; lRs 21.19 com 2Rs 9.25,26;Ag 1.12; cf. lSm 15.3, l8).Nesses e em outros exemplos no AT, as palavras que os profetas falavam podem ser também referidas como as palavras que o próprio Deus falou. Portanto, descrer ou desobedecer a qualquer coisa que o profeta diz é descrer ou desobedecer ao próprio Deus (Dt 18.19; lSm 10.8; 13.13,14; 15.3,19,23; 1 Rs 20.35,36).
Esses versículos, por si mesmos, não afirmam que todas as palavras no AT sejam palavras de Deus, porque em si mesmos estão se referindo somente a seções específicas de palavras faladas ou escritas no AT. Por força cumulativa dessas palavras, incluindo as centenas de passagens que começam com “Assim diz o Senhor”, deve ficar demonstrado que dentro do AT temos registros escritos de palavras que são consideradas as próprias palavras de Deus. Essas palavras constituem largas porções do AT. Quando percebemos que todas as palavras que faziam parte do “Livro da Lei de Deus” ou do “Livro da Aliança” foram consideradas palavras de Deus, vemos que a totalidade do AT afirma essa espécie de autoridade (v. Êx 24.7; Dt 29.21; 31.24-26; Is 24.26; lSm 10.25; 2Rs 23.2,3).
No NT, várias passagens indicam que todas as palavras dos escritos do AT são consideradas palavras de Deus. 2Timotéo 3.16 diz: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça”. Aqui “Escritura” (gr. graphē)’ deve se referir aos escritos do AT, porque é a eles que a palavra graphē se refere em cada uma das suas 55 ocorrências no NT. Além disso, é às “Sagradas Letras” do AT que Paulo se referiu anteriormente no versículo 15.
Paulo aqui afirma que todos os escritos do AT são theopneustos, inspirados por Deus. Visto que são escritos que foram “inspirados”, essa inspiração deve ser entendida como metáfora de falar as palavras da Escritura. Esse versículo, dessa maneira, afirma brevemente o que era evidente em muitas passagens do AT: OS escritos do AT são considerados Palavra de Deus em forma escrita. Pois Deus é quem falou (e ainda fala) cada palavra do AT, embora tenha usado agentes humanos para registrar essas palavras.
Indicação similar do caráter dos escritos do AT como palavras de Deus é encontrada em 2Pedro 1.21. Falando das profecias da Escritura (v. 20), que significa ao menos as Escrituras do AT as quais Pedro encoraja seus leitores a prestar atenção cuidadosa (v. 19), Pedro diz que nenhuma dessas profecias jamais “teve origem na vontade humana”, mas que “homens falaram da parte de Deus, impelidos pelo Espírito Santo”. Não é a intenção de Pedro negar completamente o papel da volição ou da personalidade humana ao escrever a Escritura (ele diz que homens “falaram”), mas, em vez disso, sua intenção foi dizer que a fonte suprema de cada profecia não foi a decisão do homem a respeito do que ele queria escrever, mas, antes, a ação do Espírito Santo na vida do profeta, cumprida de modos não especificados aqui (ou, de fato, em nenhuma parte da Escritura). Isso indica a crença de que todas as profecias do AT (e, à luz dos v. 19 e 20, provavelmente inclua toda a Escritura registrada do AT) são consideradas “procedentes de Deus”: a saber, elas são as próprias palavras de Deus.


Muitas outras palavras poderiam ser citadas (v. Mt 19.5; Lc 1.70; 24.25; lo 5.45-47; At 3.18,21; 4.25; 13.47; 28.25; Rm 1.2; 3.2; 9.17; lCo 9.8-10; Hb 1.1,2,6,7), mas o padrão de atribuir a Deus as palavras da Escritura do AT deve estar muito claro. Além do mais, em diversos lugares, todas as palavras dos profetas ou as palavras da Escritura do AT levam a essa crença ou nos compelem a crer que são de Deus (v. Lc 24.25,27,44; At 3.18; 24.14; Rm 15.4).
Mas, se Paulo estava se referindo somente aos escritos do AT quando falou de “toda a Escritura” como soprada por Deus em 2Timóteo 3.16, como pode esse versículo ser aplicado aos escritos do NT também? Será que esse versículo diz alguma coisa a respeito do caráter dos escritos do NT? Para responder a essas perguntas, devemos perceber que a palavra grega graphē (“escritura”) era o termo técnico para os escritores do NT e possuía um sentido altamente especializado. Embora ela seja usada 55 vezes no NT, em cada uma delas ela se refere aos escritos do AT, não a quaisquer outras palavras ou escritos fora do cânon da Escritura. Assim, cada coisa que pertencia à categoria “escritura” tinha o caráter de ser “soprada por Deus”: suas palavras eram as verdadeiras palavras de Deus.
Mas em dois lugares no NT vemos os escritos do NT também serem chamados “Escritura” juntamente com os escritos do AT. Em 2Pedro 3.15,16, Pedro diz: “Tenham em mente que a paciência de nosso Senhor significa salvação, como também o nosso amado irmão Paulo lhes escreveu, com a sabedoria que Deus lhe deu. Ele escreve da mesma forma em todas as suas cartas, falando nelas destes assuntos. Suas cartas contêm algumas coisas difíceis de entender, as quais os ignorantes e instáveis torcem, como também o fazem com as demais Escrituras, para a própria destruição deles”.
Aqui Pedro mostra não somente a consciência da existência de cartas escritas de Paulo, mas também a clara disposição de classificar equivalentemente “todas as suas [de Paulo] cartas” com “as demais Escrituras”. Isso é a indicação de que muito cedo na história da igreja todas as cartas de Paulo foram consideradas palavras de Deus em forma escrita no mesmo sentido que os textos escritos do AT. Semelhantemente, em lTimóteo 5.18, Paulo escreve: “... pois a Escritura diz: ‘Não amordace o boi enquanto está debulhando o cereal’, e ‘o trabalhador merece o seu salário”’. A primeira citação vem de Deuteronômio 25.4, mas a segunda não ocorre em nenhum lugar do AT. ao contrário, a citação de Lucas 10.7. Paulo aqui cita as palavras de Jesus conforme encontradas no evangelho de Lucas e as chama “Escritura”.
Essas duas passagens tomadas juntas indicam que durante o tempo do registro dos documentos do NT havia a consciência de que adições foram sendo feitas a essa categoria especial de escritos chamada “escritura”, escritos que tinham o mesmo caráter das verdadeiras palavras de Deus. Assim, uma vez estabelecido que os escritos do NT pertencem à categoria especial de “escritura”, estamos certos em aplicar 2Timóteo 3.16 igualmente àqueles escritos e em dizer que aqueles escritos também possuem a característica que Paulo atribui a “toda a Escritura”: ela é “soprada por Deus”, e todas as suas palavras são as verdadeiras palavras de Deus.
Existe evidência adicional de que os escritores do NT pensaram em seus escritos (não apenas os do AT) como as palavras de Deus? Em alguns casos, há. Em lCoríntios 14.37, Paulo diz: “Se alguém pensa que é profeta ou espiritual, reconheça que o que lhes estou escrevendo é mandamento do Senhor”. Aqui Paulo instituiu regras para a adoração na igreja de Corinto e exigiu que fossem reconhecidas por “mandamento do Senhor”.
Alguém poderia pensar que Paulo achava que suas ordens fossem inferiores às de Jesus Cristo e, portanto, não precisavam ser cuidadosamente obedecidas. Por exemplo, em 1 Coríntios 7.12, ele distingue suas palavras das de Jesus: “Aos outros, eu mesmo digo isto, não o Senhor...”. Isso, contudo, simplesmente significa que ele não tinha conhecimento de nenhuma palavra dita aqui na terra que Jesus houvesse falado sobre o assunto. Podemos perceber que esse é o caso, porque nos versículos 10 e 11 ele simplesmente repetiu o ensino terreno de Jesus de que “a esposa não se separe do seu marido” e “o marido não se divorcie da sua mulher”. Nos versículos de 12 a 15, contudo, Paulo dá as suas instruções acerca de um assunto sobre o qual aparentemente Jesus não falara nada. O que dera a Paulo o direito de agir assim? Paulo diz que falou “como alguém que, pela misericórdia de Deus, é digno de confiança” (lCo 7.25). Ele parece sugerir aqui que seus julgamentos deviam ser considerados como cheios de autoridade, como as ordenanças de Jesus!

Indicações de idéias semelhantes dos escritos do NT são encontrados em João 14.26 e 16.13, onde Jesus prometeu que o Espírito Santo haveria de trazer à lembrança dos discípulos tudo o que ele lhes havia dito e que os guiaria a toda a verdade. Isso aponta para a obra do Espírito de capacitar os discípulos a se lembrarem e registrarem sem erro tudo o que Jesus havia dito. Indicações semelhantes são encontradas também em 2Pedro 3.2; lCoríntios 2.13; 1Tessalonicenses 4.15 e Apocalipse 22.18,19.

2. Ficamos convencidos das declarações da Bíblia de ser a Palavra de Deus à medida que a lemos.

Uma coisa é afirmar que a Bíblia alega ser as palavras de Deus; outra coisa é ser convencido de que essa alegação é verdadeira. Nossa convicção suprema de que as palavras da Bíblia são palavras de Deus vem somente quando o Espírito Santo fala em e por meio das palavras da Bíblia ao nosso coração e nos dá a certeza interior de que essas são as palavras do Criador para nós. Sem a obra do Espírito de Deus, a pessoa nunca receberá ou aceitará a verdade de que as palavras da Bíblia são de fato as palavras de Deus.
Mas para aqueles em quem o Espírito de Deus está operando, há o reconhecimento de que as palavras da Bíblia são as palavras de Deus. Esse processo é intimamente análogo ao qual as pessoas que criam em Jesus sabiam que as palavras dele eram verdadeiras. Ele disse: “As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem” (Jo 10.27). Os que são ovelhas de Cristo ouvem as palavras de Cristo, o grande Pastor delas, da mesma maneira que lêem as palavras da Escritura, e se convencem de que essas palavras são, de fato, as palavras do seu Senhor.
É importante lembrar que essa convicção de que as palavras da Escritura são as palavras de Deus não vem separada das palavras da Escritura ou em acréscimo às palavras da Escritura. Não é que o Espírito Santo cochiche em nosso ouvido, dizendo: ”Você vê aquela Bíblia sobre a sua escrivaninha? Eu quero que você saiba que as palavras daquela Bíblia são as palavras de Deus”. Ao contrário, enquanto as pessoas lêem a Escritura é que percebem que o livro que estão lendo é diferente de qualquer outro livro, que ele é de fato o livro que contém as próprias palavras de Deus falando ao coração delas.
Um movimento teológico influente no século XX foi chamado de neo-ortodoxia. O representante mais importante desse movimento foi o teólogo suíço Karl Barth (1886-1968). Embora muitos de seus escritos tenham proporcionado uma reafirmação bem-vinda dos ensinos da Bíblia, em distinção da incredulidade da teologia liberal da Alemanha, Barth não chegou a afirmar que todas as palavras da Bíblia são as palavras de Deus no sentido em que temos argumentado aqui. Ao contrário, ele disse que as palavras da Escritura tornam-se as palavras de Deus para nós à medida que nos encontramos com elas. Essa foi a razão primária por que os evangélicos não puderam apoiar completamente a neo-ortodoxia de Barth, embora tivessem apreciado muitas das coisas que ele ensinou isoladamente.

3. Outra evidência é útil, mas não totalmente convincente.

 A seção anterior não foi proposta para negar a validade de outras espécies de argumentos que podem ser usados para dar apoio à declaração de que a Bíblia é o conjunto das palavras de Deus. É útil para nós aprendermos que a Bíblia é historicamente precisa, internamente coerente, que contém profecias que foram cumpridas centenas de anos mais tarde, que influenciou o curso da história humana mais que qualquer outro livro, que continua a mudar a vida de milhões de indivíduos ao longo de toda a história, que por meio dela pessoas têm encontrado a salvação, que ela tem uma beleza majestosa e uma profundidade muito grande de ensino não alcançada por nenhum outro livro, e que ela afirma centenas de vezes que suas palavras são as palavras de Deus. Todos esses argumentos são úteis para nós e removem obstáculos que poderiam, de outra forma, aparecer no caminho de nossa fé na Escritura. Mas todos eles, tomados individualmente ou em conjunto, não podem convencer de forma final. É isso que a Confissão de é de Westminster de 1643-1646 diz:
Pelo testemunho da Igreja podemos ser movidos e incitados a um alto e reverente apreço pela Escritura Sagrada; a suprema excelência do seu conteúdo, a eficácia da sua doutrina, a majestade de seu estilo, a harmonia de todas as suas partes, o escopo do seu todo (que é dar a Deus toda a glória), a plena revelação que faz do único meio de salvar-se o homem, as suas muitas outras excelências incomparáveis e completa perfeição são argumentos pelos quais abundantemente se evidencia ser ela a palavra de Deus; contudo, a nossa plena persuasão e a certeza da sua infalível verdade e divina autoridade provém da operação interna do Espírito Santo, que pela palavra, e com a palavra testifica em nosso coração. (I,V)

4. As palavras da Escritura são autotestificadoras.

Visto que as palavras da Escritura são “autotestificadoras”, não se pode “provar” que elas são as palavras de Deus no apelo a uma autoridade superior. Se apelarmos, por exemplo, à lógica humana ou à verdade científica para provar que a Bíblia é a Palavra de Deus, então presumimos que a autoridade à qual apelamos é superior às próprias palavras de Deus ou que é mais verdadeiro ou mais confiável. Portanto, a autoridade suprema pela qual a Escritura demonstra ser a Palavra de Deus deve ser a própria Escritura.

5. Objeção: esse é um argumento circular.

Alguém pode objetar que dizer que a própria Escritura demonstra ser as palavras de Deus é um argumento circular: Cremos que a Escritura é a Palavra de Deus porque ela alega isso. E cremos em sua alegação porque a Escritura é a Palavra de Deus. E cremos que ela é a Palavra de Deus porque ela o diz, e assim por diante.
Deve-se admitir que esse é uma espécie de argumento circular. Contudo, isso não torna o seu uso inválido, pois todos os argumentos para uma autoridade absoluta devem apelar supremamente para aquela autoridade a fim de que seja provada; de outra forma, a autoridade não seria uma autoridade absoluta ou superior. Esse problema não é exclusivo do cristão que está argumentando pela autoridade da Bíblia. Qualquer pessoa, implícita ou explicitamente, usa alguma espécie de argumento circular quando defende sua autoridade suprema para provar qualquer crença.
Alguns poucos exemplos simples ilustrarão os tipos de argumento circular que as pessoas usam para dar apoio às bases de suas crenças:
Minha razão é a autoridade suprema porque isso me parece razoável.
 A coerência lógica é minha autoridade suprema porque é lógico agir assim.
 As descobertas das experiências sensoriais dos homens são a autoridade suprema para descobrir o que é real e o que não é, porque nossos sentidos nunca descobriram outra coisa mais: assim, a experiência sensória do homem me diz que o meu princípio é verdadeiro.
 Cada um desses argumentos utiliza um raciocínio circular para estabelecer um padrão definitivo para comprovar a verdade.
Como então o cristão ou qualquer outra pessoa pode escolher entre as várias reivindicações de autoridade absoluta? De modo definitivo, a veracidade da Bíblia recomenda a si mesma como muito mais persuasiva que outros livros religiosos (como o Livro de Mórmon ou o Alcorão) ou mais que outras construções intelectuais da mente humana (como lógica, razão humana, experiência sensória, metodologia científica etc.). Será que ela é mais persuasiva porque, na real experiência da vida, todas essas outras candidatas a autoridade suprema são vistas como incoerentes ou como tendo defeitos que as desqualificam, ao passo que a Bíblia será vista como estando de pleno acordo com tudo o que sabemos a respeito do mundo ao nosso redor, a respeito de nós mesmos e a respeito de Deus?
A Bíblia recomenda-se a si mesma como persuasiva desse modo, isto é, se estamos pensando corretamente sobre a natureza da realidade, sobre nossa percepção dela e de nós próprios, e sobre nossa percepção de Deus. O problema é que, por causa do pecado, nossa percepção e análise de Deus e da criação são imperfeitas. Portanto, ela requer a obra do Espírito Santo, vencendo os efeitos do pecado, para capacitar-nos a sermos persuadidos de que a Bíblia é, de fato, a Palavra de Deus e que a afirmação que ela faz de si mesma é verdadeira.
Em outro sentido, portanto, o argumento da Bíblia como a Palavra de Deus e nossa autoridade suprema não é um típico argumento circular. Esse processo de persuasão é talvez mais comparável a uma espiral na qual o crescente conhecimento da Escritura e o crescente entendimento correto de Deus e da criação tendem a suplementar um ao outro de modo harmonioso, cada um tendendo a confirmar a precisão do outro. Isso não é o mesmo que dizer que o nosso conhecimento do mundo ao redor serve como autoridade maior que a Escritura, mas, ao contrário, que tal conhecimento, se é o conhecimento correto, continua a dar uma certeza maior e melhor, além de uma convicção mais profunda, de que a Bíblia é a autoridade única e verdadeiramente suprema, e que outras afirmações competidoras de autoridade suprema são falsas.

6. Isso não significa ditado de Deus como o único meio de comunicação.

Neste momento é necessária uma palavra de advertência. O fato de que todas as palavras da Escritura são as palavras de Deus não deve nos levar a pensar que Deus ditou cada palavra da Escritura aos autores humanos.
Quando dizemos que todas as palavras da Bíblia são as palavras de Deus, estamos falando a respeito do resultado do processo que trouxe a Escritura à existência. A questão do ditado diz respeito ao processo que conduziu ao resultado ou à maneira pela qual Deus agiu a fim de assegurar o resultado que ele pretendia. Deve ser enfatizado que a Bíblia não fala de um único tipo de processo ou de uma única maneira pela qual Deus comunicou aos autores bíblicos o que ele queria que fosse dito. De fato, há indicação de uma grande variedade de processos que Deus usou para conseguir o resultado desejado.
Uns poucos exemplos esparsos de ditado são mencionados explicitamente na Escritura. Quando ­o apóstolo João viu o Senhor ressuscitado na visão na ilha de Patmos, Jesus lhe falou o seguinte:
“Ao anjo da igreja em Éfeso escreva” (Ap 2.1); “Ao anjo da igreja em Esmirna escreva” (Ap 2.8); “Ao anjo da igreja em Pérgamo escreva” (Ap 2.12). Esses são exemplos de puro e simples ditado. O Senhor ressuscitado diz a João o que escrever, e João escreve as palavras que ouve de Jesus.
Porém, em muitas outras seções da Escritura, tal ditado direto de Deus não é certamente a maneira pela qual as palavras da Escritura vieram à existência. O autor de Hebreus diz que Deus falou aos pais pelos profetas “muitas vezes e de várias maneiras” (Hb 1.1). Do outro lado do espectro do ditado temos, por exemplo, a pesquisa histórica ordinária que Lucas empreendeu para escrever seu evangelho. Ele diz: “Muitos já se dedicaram a elaborar um relato dos fatos que se cumpriram entre nós, conforme nos foram transmitidos por aqueles que desde o início foram testemunhas oculares e servos da palavra. Eu mesmo investiguei tudo cuidadosamente, desde o começo, e decidi escrever-te um relato ordenado, ó excelentíssimo Teófilo” (Lc 1.1-3).
Esse claramente não é o processo de ditado. Lucas usou o método comum de conversar com testemunhas oculares e obter dados históricos de forma que pudesse escrever sua narrativa precisa da vida e dos ensinos de Jesus. Fez a pesquisa histórica de maneira completa, ouvindo relatos de muitas testemunhas oculares e avaliando sua evidência cuidadosamente. O evangelho que escreveu enfatiza e reflete seu estilo característico de escrever.
Entre os dois extremos, do ditado por um lado e da pesquisa histórica ordinária por outro, temos muitas indicações de vários modos pelos quais Deus comunicou-se com os autores humanos da Escritura. Em alguns casos, a Escritura fala de sonhos, visões ou de ouvir a voz do Senhor. Em outros casos, ela fala de homens que estiveram com Jesus, observaram sua vida e ouviram seus ensinos, homens cuja lembrança dessas palavras e ações tornou-se completamente precisa pela operação do Espírito Santo, à medida que ele as trazia à memória deles (Jo 14.26). Ao que parece, muitos métodos diferentes foram usados, mas não é importante que descubramos exatamente quais foram eles em cada caso.
Em exemplos em que a personalidade humana e o estilo de escrever do autor estavam proeminentemente envolvidos, como parece ser o caso com a maior parte da Escritura, tudo o que somos capazes de dizer é que a superintendência e a direção providenciais de Deus na vida de cada autor foram de tal ordem que a personalidade e a habilidade deles foram exatamente o que Deus queria que fossem para a tarefa de escrever a Escritura. As origens e o treinamento deles (como a preparação rabínica de Paulo, a de Moisés na casa de Faraó ou o trabalho de Davi como pastor), a capacidade de avaliar eventos no mundo ao redor deles, o acesso que tinham a dados históricos, seu julgamento com relação à exatidão de informações e as circunstâncias individuais quando escreveram foram exatamente o que Deus queria que fossem. Assim, quando eles realmente chegaram a escrever, as palavras eram plenamente as suas próprias palavras, mas também eram plenamente as palavras que Deus queria que eles escrevessem, palavras que Deus também afirmaria serem suas.

Portanto, descrer ou desobedecer a qualquer palavra da Escritura é descrer ou desobedecer a Deus.

A seção anterior argumentou que todas as palavras da Escritura são palavras de Deus. Conseqüentemente, descrer ou desobedecer a qualquer palavra da Escritura é descrer ou desobedecer ao próprio Deus.Assim, Jesus pôde repreender seus discípulos por não crerem nas Escrituras do AT (Lc 24.25: “Como vocês custam a entender e como demoram a crer em tudo o que os profetas falaram!”). Os crentes devem guardar ou obedecer às palavras dos discípulos (Jo 15.20: “... Se obedeceram, à minha palavra, também obedecerão à de vocês”). Os cristãos são encorajados a lembrar-se do “mandamento de nosso Senhor e Salvador que os apóstolos de vocês lhes ensinaram” (2Pe 3.2). Desobedecer aos escritos de Paulo era tornar-se sujeito à disciplina da igreja, como a excomunhão (2Ts 3.14) e a punição espiritual (2Co 13.2,3), incluindo a punição de Deus (esse é o sentido evidente do verbo na voz passiva “será ignorado” em lCo 14.38). Por contraste, Deus se agrada de cada pessoa que “treme” diante da sua palavra (Is 66.2).
Ao longo de toda a história da igreja, os maiores pregadores têm sido os que reconheceram que não possuem autoridade vinda de si mesmos; sua tarefa tem sido a explicação das palavras da Escritura e a sua clara aplicação na vida de seus ouvintes. A pregação deles deriva seu poder não da proclamação de suas experiências cristãs ou das experiências de outros, nem de suas opiniões, idéias criativas ou habilidades retóricas, mas das poderosas palavras de Deus. Essencialmente, eles permaneceram no púlpito, apontaram para o texto bíblico e disseram de fato à sua congregação: “Isso é o que esse versículo quer dizer. Você também vê esse significado aqui? Então, você deve crer nele e obedecer a ele de todo o seu coração, porque o próprio Criador e Senhor está dizendo exatamente isso para você hoje!”. Somente as palavras escritas da Escritura podem dar essa espécie de autoridade à pregação.

Autor: Wayne Grudem
Fonte: Teologia Sistemática do Autor; Ed. Vida Nova. Compre este livro em
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A veracidade da Escritura

 Nota:   AT = Antigo Testamento ; NT= Novo Testamento

1. Deus não pode mentir ou falar falsamente.

 A essência da autoridade da Escritura é a sua capacidade de compelir-nos a crer nela e a obedecer-lhe, tornando tal crença e obediência equivalentes a crer e a obedecer ao próprio Deus. Porque as coisas são assim, é necessário considerar a veracidade da Escritura, pois, se pensamos que algumas partes da Escritura não são verdadeiras, naturalmente não seremos capazes de crer nelas.
Visto que os escritores bíblicos repetidamente afirmam que as palavras da Bíblia, embora humanas, são as próprias palavras de Deus, é apropriado olhar para os textos bíblicos que falam a respeito do caráter das palavras de Deus e aplicá-los ao caráter das palavras da Escritura. Especificamente falando, há certo número de passagens bíblicas que falam a respeito da veracidade da fala de Deus. Tito 1.2 declara que “Deus que não mente”. Porque Deus é um Deus que não pode falar mentiras, suas palavras são sempre confiáveis. Visto que toda a Escritura é falada por Deus, toda a Escritura deve ser verdadeira, como Deus o é. Não pode haver nada que não seja verdadeiro na Escritura. Hebreus 6.18 menciona duas coisas imutáveis (o juramento e a promessa de Deus) “nas quais é impossível que Deus minta”. Aqui o autor não diz meramente que Deus não mente, mas que é impossível para ele mentir. Embora a referência imediata seja somente o juramento e as promessas, se é impossível para Deus mentir nessas declarações, então certamente é impossível para ele mentir.

2. Portanto, todas as palavras da Escritura são completamente verdadeiras e sem erro em qualquer parte.

Visto que as palavras da Bíblia são as palavras de Deus, e visto que Deus não pode mentir ou falar falsamente, é correto concluir que não há nada inverossímil nem nenhum erro em qualquer parte das palavras da Escritura. Encontramos isso afirmado em diversos lugares da Escritura. “As palavras do SENHOR são puras, são como prata purificada num forno, sete vezes refinada” (Sl 12.6).Aqui o salmista usa uma figura vivida para falar da indissolúvel pureza das palavras de Deus; não há nenhuma imperfeição nelas. Também Provérbios 30.5 diz: “Cada palavra de Deus é comprovadamente pura; ele é um escudo para quem nele se refugia”. Isso não se diz apenas de algumas das palavras da Escritura, mas de todas elas. De fato, a Palavra de Deus está firmada no céu por toda a eternidade: “A tua palavra, SFNH0R,para sempre está firmada nos céus” (Sl 119.89). Jesus pode falar da natureza eterna de suas palavras: “Os céus e a terra passarão, mas as minhas palavras jamais passarão” (Mt 24.35). Esses versículos afirmam explicitamente o que estava implícito na exigência de que creiamos em todas as palavras da Escritura, a saber, que não há nada que não seja verdadeiro ou que seja falso afirmado em qualquer das declarações da Bíblia.

3. As palavras de Deus são o padrão supremo de verdade.

Em João 17, Jesus ora ao Pai: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (Jo 17.17). Esse versículo é interessante porque Jesus não usa um adjetivo, alēthinos ou alēthēs (“verdadeira”), que era o esperado, para dizer que a ”tua palavra é a verdade”. Ao contrário, ele usa um substantivo, alētheia (“verdade”), para dizer que a Palavra de Deus não é simplesmente “verdadeira”, mas é a própria verdade.
A diferença é significativa, porque essa afirmação nos encoraja a pensar na Bíblia não simplesmente como “verdadeira” no sentido em que a conformamos ao padrão mais alto de verdade, mas, antes, encoraja-nos a pensar da Bíblia como ela própria o padrão final de verdade. A Bíblia é a Palavra de Deus, e a Palavra de Deus é a definição última do que é verdadeiro e do que não é verdadeiro: a Palavra de Deus, em si mesma, é a verdade. Assim, devemos pensar na Bíblia como o padrão último da verdade, o ponto de referência pelo qual qualquer outra alegação de veracidade possa ser medida.As declarações que se conformam à Escritura são “verdadeiras”, ao passo que as que não se conformam à Escritura não o são.
Então, o que é a verdade? A verdade é o que Deus diz, e temos o que Deus diz (exatamente, não exaustivamente) na Bíblia.
Essa doutrina da veracidade absoluta da Escritura permanece em contraste claro com a concepção comum na sociedade moderna que muitas vezes é chamada pluralismo.
O pluralismo é o pensamento de que cada pessoa tem uma perspectiva sobre a verdade que é tão válida como a perspectiva de outra pessoa qualquer — portanto, não devemos dizer que a religião ou o padrão ético de outra pessoa esteja errado. De acordo com o pluralismo, não podemos conhecer a verdade absoluta; podemos somente ter perspectivas e expectativas próprias. Naturalmente, se o pluralismo é verdadeiro, a Bíblia não pode ser o que ela declara ser: as palavras que o único e verdadeiro Deus, o criador e juiz de todo o mundo, nos tem falado.
O pluralismo é um aspecto do pensamento contemporâneo global do mundo chamado pós-modernismo. O pós-modernismo não sustentaria simplesmente que nunca podemos encontrar a verdade absoluta; ele diria que a verdade absoluta não existe. Todas as tentativas de afirmar a verdade em uma ou em outra idéia são justamente o resultado de nossa origem, cultura, tendências, projetos pessoais (especialmente nosso desejo de poder). Tal visão do mundo, é claro, opõe-se diretamente à visão bíblica, que vê a Bíblia como verdade que nos foi dada da parte de Deus.

4. Podem alguns fatos novos contradizer a Bíblia?

Poderá qualquer novo fato científico ou histórico que venha a ser descoberto contradizer a Bíblia? Aqui podemos dizer com confiança que isso nunca acontecerá — é algo impossível. Se qualquer “fato” suposto for descoberto que seja considerado contrário à Escritura, então (se entendemos a Escritura corretamente) tal “fato” deve ser falso, porque Deus, o autor da Escritura, conhece todos os fatos verdadeiros (passados, presentes e futuros). Nenhum acontecimento inesperado aparecerá do qual Deus não tenha tido conhecimento no passado e que não tenha levado em conta quando fez a Escritura ser escrita. Cada fato verdadeiro é algo que Deus já conhecia desde toda a eternidade e, portanto, não poderia contradizer as palavras de Deus na Escritura.
Não obstante, deve ser lembrado que o estudo científico ou histórico (assim como outras espécies de estudo da criação) pode fazer-nos reexaminar a Escritura para ver se ela realmente ensina o que pensamos que ela ensinava. Por exemplo, a Bíblia não ensina que o sol gira ao redor da terra só porque ela usa descrições dos fenômenos como os vemos de nossa perspectiva, nem pretende descrever as operações do universo de algum ponto “fixo” arbitrário em algum lugar no espaço. Todavia, até o estudo da astronomia ter avançado o suficiente para demonstrar a rotação da terra sobre o próprio eixo, as pessoas presumiam que a Bíblia ensinava que o sol girava ao redor da terra. Assim, o estudo dos dados científicos levou ao reexame dos textos bíblicos apropriados. Portanto, todas as vezes que confrontados algum “fato” que parece contradizer a Escritura, devemos não somente examinar os dados apresentados para demonstrar o fato em questão; devemos também reexaminar os textos bíblicos apropriados para ver se a Bíblia realmente ensina o que pensamos que ela ensina. Podemos fazer isso com confiança, pois nenhum fato verdadeiro jamais contrariará as palavras do Deus que conhece todos os fatos e que nunca mente.

Autor: Wayne Grudem
Fonte: Teologia Sistemática do Autor; Ed. Vida Nova. Compre este livro
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A clareza, a necessidade e a suficiência da Bíblia.

Nota: AT= Antigo Testamento ; NT = Novo Testamento

Somente os estudiosos da Bíblia podem entendê-la corretamente?
Para que propósitos a Bíblia é necessária?
Será que a Bíblia é suficiente para conhecermos o que Deus quer que pensemos ou façamos?
Depois de estudar no capítulo 2 sobre a autoridade que a Bíblia afirma possuir, voltamo-nos agora para outras três características da Escritura para completar a nossa discussão a respeito do que a Bíblia ensina sobre si mesma.


EXPLICAÇAO E BASE BÍBLICA

Qualquer pessoa que tenha começado a ler a Bíblia com seriedade haverá de perceber que algumas partes dela podem ser entendidas muito facilmente, ao passo que outras partes parecem mais difíceis. Embora devamos admitir que nem todas as partes da Escritura sejam facilmente entendidas, seria um erro pensar que a maior parte da Escritura ou que a Escritura em geral seja difícil de ser entendida. De fato, o AT e o NT muitas vezes afirmam que a Escritura é escrita de tal forma que seus ensinos são inteligíveis para crentes comuns. Portanto, examinaremos primeiro a doutrina da clareza da Escritura.
Além da questão de nossa capacidade de entender a Escritura, temos a questão de sua necessidade: Precisamos conhecer o que a Bíblia diz para saber que Deus existe? Ou que somos pecadores necessitados de salvação? Essa é a espécie de perguntas que a investigação da necessidade da Escritura pretende responder.
Finalmente, faremos uma breve análise da suficiência da Escritura. Devemos procurar outras palavras de Deus em adição às que já temos na Escritura? Será que a Bíblia é suficiente para que conheçamos o que Deus requer que creiamos ou façamos? A doutrina da suficiência da Escritura focaliza essas perguntas.

A.        A clareza da Escritura

1. A Bíblia muitas vezes afirma a própria clareza.

A Bíblia muitas vezes fala de sua clareza e da responsabilidade dos crentes de lê-la e de entendê-la. Em uma passagem muito conhecida, Moisés diz ao povo de Israel: “Que todas estas palavras que hoje lhe ordeno estejam em seu coração. Ensine-as com persistência a seus filhos. Converse sobre elas quando estiver sentado em casa, quando estiver andando pelo caminho, quando se deitar e quando se levantar” (Dt 6.6,7). Esperava-se que todas as pessoas de Israel fossem capazes de entender as palavras da Escritura o suficiente para conseguir ensiná-las a seus filhos. Esse ensino não consistiria meramente em memorização mecânica esvaziada de entendimento, porque o povo de Israel deveria discutir as palavras da Escritura durante suas atividades, quando estivesse assentado em suas casas, ou ao se deitar ou ao se levantar pela manhã. Deus esperava que todos dentre o seu povo conhecessem e fossem capazes de falar a respeito de sua Palavra com a devida aplicação às situações comuns da vida.

É dito que o caráter da Escritura é de tal modo que mesmo “os inexperientes” podem compreendê-la corretamente, tornando-se sábios. “Os testemunhos do SENHOR são dignos de confiança, e tornam sábios os inexperientes” (Sl 19.7). Em outro lugar lemos que “a explicação das tuas palavras ilumina e dá discernimento aos inexperientes” (Sl 119.130). Aqui, a pessoa “inexperiente” não é meramente a que carece de capacidade intelectual, mas a que carece de julgamento sadio, que é propensa a cometer erros e que é facilmente induzida ao erro. A Palavra de Deus é inteligível, tão clara que torna sábia até mesmo essa espécie de pessoa. Isso deve servir de grande encorajamento a todos os crentes. Nenhum crente deve pensar de si mesmo como se fosse incapaz de ler a Escritura e de entendê-la suficientemente para se tornar sábio por meio dela.
Há uma ênfase semelhante no NT. O próprio Jesus, em seus ensinos, suas conversas e discussões, nunca responde a quaisquer perguntas com o intento de acusar as Escrituras do AT de não serem claras. Ao contrário, estivesse ele falando a estudiosos ou a pessoas comuns sem preparo, suas respostas sempre presumem que a acusação de entendimento errôneo de qualquer ensino da Escritura não deve ser colocada sobre a Escritura, mas sobre os que a entendem erroneamente ou que se recusam a aceitar o que está escrito. Repetidamente ele responde a perguntas com afirmações semelhantes a estas: “Vocês não leram...”(Mt 12.3,5; 19.14; 22.31),”Vocês nunca le­ram isto nas Escrituras?” (Mt 2 1.42), ou mesmo: “Vocês estão enganados porque não conhecem as Escrituras nem o poder de Deus!” (Mt 22.29; v. tb. Mt 9.13; 12.7; 15.3; 21.13; Jo 3.10).
Para que não pensemos que o entendimento da Bíblia era de certo modo mais fácil para os cristãos do primeiro século que para nós, é importante percebermos que em muitos exemplos as cartas do NT foram escritas a igrejas que tinham grandes percentuais de cristãos gentílicos. Eles eram cristãos relativamente novos que não tinham nenhum conhecimento prévio de qualquer espécie de sociedade cristã, e que tinham pouco ou nenhum entendimento anterior da história e da cultura de Israel. Os eventos da vida de Abraão (c. 2000 a.C.) estavam no passado tão distante deles como os eventos do NT estão de nós! Não obstante, os autores do NT não mostraram qualquer hesitação, esperando que mesmo esses cristãos gentios fossem capazes de ler uma tradução do AT em sua língua e de entendê-la corretamente (v.Rm 4.1-25; 15.4; lCo 10.1-11; 2Tm 3.16,17 ).

2. As qualidades morais e espirituais necessárias para o entendimento correto.

Os escritores do NT muitas vezes afirmam que a capacidade de entender a Escritura corretamente é mais uma capacidade moral e espiritual que intelectual: “Quem não tem o Espírito não aceita as coisas que vêm do Espírito de Deus, pois lhe são loucura; e não é capaz de entendê-las, porque elas são discernidas espiritualmente” (1 Co 2.14; cf. 1.18—3.4; 2Co 3.14-16; 4.3,4,6; Hb 5.14; Tg 1.5,6; 2Pe 3.5; cf. Mc 4.11,12; Jo 7.17; 8.43). Assim, embora os autores do NT afirmem que a Bíblia em si mesma seja escrita com clareza, eles também afirmam que ela não será entendida corretamente por aqueles que não estão desejosos de receber seus ensinos. A Escritura é capaz de ser entendida por todos os descrentes que vão lê-la sinceramente buscando salvação e pelos crentes que a lerão procurando a ajuda de Deus para entendê-la. Isso acontece porque, em ambos os casos, o Espírito Santo opera vencendo os efeitos do pecado, que de outra forma fariam a verdade parecer tolice (lCo 1.18-25; 2.14; Tg 1.5,6,22-25).

3. Definição de clareza da Escritura.

A fim de resumir esse material bíblico, podemos afirmar ­que a Bíblia foi escrita de tal modo que todas as coisas necessárias para a salvação e para nossa vida cristã e nosso crescimento são muito claramente demonstradas na Escritura. Embora certos teólogos já tenham definido a clareza da Escritura de modo mais estrito (dizendo, por exemplo, que ela é clara somente no ensino do caminho da salvação), os textos citados anteriormente aplicam—se a muitos aspectos diferentes do ensino bíblico e não parecem dar apoio a tal limitação às áreas em que se considera que ela fala claramente. Parece mais fiel aos textos bíblicos citados definir a clareza da Escritura do seguinte modo: A clareza da Escritura significa que a Bíblia foi escrita de tal modo que seus ensinos são passíveis de ser entendidos por todos que a lêem procurando pela ajuda de Deus e que estão desejosos de recebê-la. Uma vez que afirmemos isso, contudo, devemos também reconhecer que muitas pessoas, mesmo as do povo de Deus, ainda compreendem erroneamente a Escritura.

4. Por que as pessoas compreendem erroneamente a Escritura?

Durante o tempo do ministério de Jesus, os próprios discípulos às vezes falharam no entendimento do AT e até de seus ensinos (v. Mt 15.16; Mc 4.10-13; 6.52; 8.14-21; 9.32; Lc 18.34; Jo 8.27; 10.6). Embora isso algumas vezes se deva ao fato de que eles simplesmente precisavam esperar por eventos adicionais na história da redenção, e especialmente na vida do próprio Cristo (v. Jo 12.16; 13.7; cf. Jo 2.22), houve também ocasiões em que isso aconteceu devido à própria falta de fé deles ou à sua dureza de coração (Lc 24.25). Além disso, houve momentos na igreja primitiva quando os cristãos não entenderam ou não concordaram com os ensinos do AT ou a respeito das cartas escritas pelos apóstolos: observe o processo de crescimento em entendimento quanto às implicações da inclusão dos gentios na igreja (culminando em “muita discussão” [At 15.7] no Concílio de Jerusalém em Atos 15), e observe o entendimento errôneo que Pedro teve desse assunto em Gálatas 2.11-15. De fato, no decorrer de toda a história da igreja, as discordâncias doutrinárias têm sido muitas, e o progresso na resolução dessas diferenças doutrinárias foi muitas vezes lento.
A fim de ajudar as pessoas a evitar erros na interpretação da Escritura, muitos professores de Bíblia têm desenvolvido “princípios de interpretação”, ou orientações para encorajar o crescimento na habilidade de interpretar a Escritura corretamente. A palavra hermenêutica (do grego hermeneuõ, “interpretar”) é o termo mais técnico para esse campo de estudo: Hermenêutica é o estudo dos métodos corretos de interpretação (especialmente a interpretação da Escritura).
Outro termo técnico muitas vezes usado nas discussões sobre a interpretação bíblica é exegese, termo que se refere mais à prática real de interpretar a Escritura, não às teorias e princípios a respeito de como isso deveria ser feito: Exegese é o processo de interpretar o texto da Escritura. Conseqüentemente, quando alguém estuda os princípios de interpretação, isso é chamado “hermenêutica”, mas quando a pessoa aplica esses princípios e começa realmente a explicar o texto bíblico, ele está fazendo “exegese”.
A existência de muitas discordâncias a respeito do significado da Escritura no decorrer de toda a história nos lembra que a doutrina da clareza da Escritura não implica ou sugere que todos os crentes haverão de concordar em todos os ensinos da Escritura. Não obstante, ela nos diz algo muito importante — que o problema sempre repousa não na Escritura, mas em nós mesmos. Afirmamos que todos os ensinos da Escritura são claros e passíveis de ser entendidos, mas também reconhecemos que as pessoas muitas vezes (por causa de seus defeitos) entendem erroneamente o que está claramente escrito na Escritura.

Portanto, à medida que as pessoas crescem na vida cristã, adquirindo mais conhecimento da Escritura conforme gastam tempo estudando-a, haverão de entendê-la melhor. A doutrina da clareza da Escritura diz que a Escritura é passível de ser entendida, não que todos a entenderão igualmente.

5. Encorajamento prático dessa doutrina.

A doutrina da clareza da Escritura tem uma implicação prática muito importante e extremamente encorajadora. Ela nos diz que onde há áreas de discordância doutrinária ou ética (por exemplo, sobre o batismo, predestinação ou governo da igreja), há somente duas causas possíveis de discordância: 1) De um lado, pode ser que estejamos procurando fazer afirmações onde a Escritura silencia. Em tais casos, devemos estar mais preparados para admitir que Deus não tem dado resposta à nossa investigação e permitir que haja diferentes perspectivas dentro da igreja. (Esse muitas vezes é o caso com respeito a diversas questões práticas, como métodos de evangelização, estilos de ensino bíblico ou tamanho apropriado de igreja). 2) De outro lado, é possível que tenhamos cometido erros em nossa interpretação da Escritura. Isso pode ter acontecido porque os dados que usamos para decidir uma questão de interpretação foram inexatos ou incompletos. Ou isso se deve a algumas insuficiências pessoais de nossa parte, como orgulho pessoal, avidez, falta de fé, egoísmo, ou mesmo falha em dedicar tempo suficiente à leitura e estudo da Escritura acompanhados de oração.

Mas em nenhum caso somos livres para dizer que o ensino da Bíblia sobre qualquer assunto seja confuso ou não seja passível de ser entendido corretamente. Em nenhum caso devemos pensar que as discordâncias persistentes sobre algum assunto no decorrer da história da igreja signifiquem que não sejamos capazes de chegar à conclusão correta sobre a questão. Antes, se a preocupação genuína a respeito de tal assunto surge em nossa vida, devemos sinceramente buscar a ajuda de Deus e, então, ir à Escritura, pesquisando com toda a nossa aptidão, crendo que Deus irá nos capacitar para termos o entendimento correto.

6. O papel dos estudiosos.

Existe algum papel a ser desempenhado pelos estudiosos da Bíblia ou por aqueles com conhecimento especializado em hebraico (para o AT) e em grego (para o NT)? Certamente há uma função para eles em ao menos quatro áreas.

Primeiro, eles podem ensinar a Escritura com muita clareza, comunicando o seu conteúdo a outros, e assim cumprem o ofício de ”mestre”, que é mencionado no NT (lCo 12.28; Ef 4.11).

Segundo, eles podem explorar novas áreas para o entendimento dos ensinos da Escritura. Essa exploração raramente envolverá a negação dos principais ensinos que a igreja tem sustentado através dos séculos; muitas vezes, no entanto, envolverá a aplicação da Escritura a novas áreas da vida, em resposta às questões difíceis que têm sido levantadas tanto por crentes como por não-crentes em cada novo período da história, bem como a contínua atividade de refinar e tornar mais preciso o entendimento da igreja dos pontos detalhados de interpretação de versículos isolados ou de assuntos de doutrina ou de ética.

Terceiro, eles podem defender os ensinos da Bíblia contra os ataques de outros estudiosos ou daqueles com treinamento técnico especializado. O papel de ensino da Palavra de Deus às vezes envolve a correção de falsos ensinos. Uma pessoa deve ser capaz não somente de “encorajar outros pela sã doutrina”, mas também de “refutar os que se opõem a ela” (Tt 1.9; 2Tm 2.25: “Deve corrigir com mansidão os que se lhe opõem...”; e Tt 2.7,8). Algumas vezes, os que atacam os ensinos bíblicos têm treinamento especializado e conhecimento técnico em estudos históricos, lingüísticos ou filosóficos e usam esse preparo para montar ataques sofisticados contra o ensino da Escritura. Em tais casos, os crentes com habilidades especializadas semelhantes podem usar seu preparo para entender e responder a tais ataques.

Em última análise, eles podem suplementar o estudo da Escritura para o benefício da igreja. Estudiosos da Bíblia muitas vezes têm o preparo que os capacitará a relacionar os ensinos da Escritura à rica história da igreja e a tornar a interpretação da Escritura mais precisa, bem como o seu significado mais vívido, relacionado ao conhecimento maior das línguas e culturas nas quais a Bíblia foi escrita.
Essas quatro funções beneficiam a igreja como um todo, e todos os crentes devem ser agradecidos por aqueles que as realizam. Contudo, essas funções não incluem o direito de decidir pela igreja como um todo qual é a verdadeira ou falsa doutrina, ou qual é a conduta adequada para uma situação difícil. Se tal direito de preservação fosse dos estudiosos da Bíblia formalmente treinados, então eles se tornariam a elite governante na igreja, e o funcionamento ordinário do governo da igreja, como descrito no NT, cessaria de existir. O processo de tomar decisões pela igreja deve ser deixado aos oficiais da igrejas, sejam eles estudiosos ou não (e, nas igrejas onde há a forma congregacional de governo, não somente aos oficiais, mas também às pessoas da igreja como um todo).

B.        A necessidade da Escritura

A necessidade da Escritura pode ser definida do seguinte modo: A necessidade da Escritura significa que a Bíblia é necessária para o conhecimento do evangelho, para a manutenção da vida espiritual e para certo conhecimento da vontade de Deus, mas não é necessária para saber que Deus existe ou para saber algo a respeito do caráter de Deus e das leis morais.
Essa definição pode agora ser explicada em suas várias partes.

1. A Bíblia é necessária para o conhecimento do evangelho.

Em Romanos 10.13,14,17, Paulo diz: “...porque ‘todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo’. Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram falar? E como ouvirão, se não houver quem pregue? [...] Conseqüentemente, a fé vem por se ouvir a mensagem, e a mensagem é ouvida mediante a palavra de Cristo”.
Essa afirmação indica a seguinte linha de raciocínio: 1) Ela presume que a pessoa deve invocar o nome do Senhor a fim de ser salva. (No uso paulino em geral, assim como no contexto específico [cf.v.9],”Senhor”refere-se ao Senhor Jesus Cristo.) 2)As pessoas só podem invocar o nome de Cristo se crêem nele (isto é, aquele que é o Salvador digno de ser invocado, que responderá aos que o invocam). 3) As pessoas não podem crer em Cristo a menos que tenham ouvido a respeito dele. 4) Elas não podem ouvir de Cristo a menos que haja alguém que lhes fale a respeito de Cristo (um “pregador”). 5) A conclusão é que a fé salvadora vem pelo ouvir — isto é, por ouvir a mensagem do evangelho — e ouvir a mensagem do evangelho vem por meio da pregação de Cristo. A conclusão parece ser que, sem ouvir a pregação do evangelho de Cristo, ninguém pode ser salvo.
Essa passagem é uma das diversas que mostra que a salvação eterna vem somente por meio da fé em Jesus Cristo, e não de Outro modo. Falando de Cristo, João 3.18 diz: “Quem nele crê não e condenado, mas quem não crê já está condenado, por não crer no nome do Filho Unigênito de Deus”. De modo semelhante, em João 14.6, Jesus diz: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por mim”.’
Mas se as pessoas podem ser salvas somente por meio da fé em Cristo, alguém poderia perguntar como os crentes da antiga aliança podiam ser salvos. A resposta deve ser que os que foram salvos sob a antiga aliança foram salvos por meio da confiança em Cristo, embora sua fé fosse um “olhar adiante” baseado na palavra da promessa de Deus de que o Messias ou o Redentor haveria de vir. Falando dos crentes do AT como Abel, Enoque, Noé, Abraão e Sara, o autor de Hebreus diz: “Todos estes vive ram pela fé, e morreram sem receber o que tinha sido prometido; viram-no de longe...” (Hb 11.13). E Jesus pôde dizer de Abraão: “Abraão, pai de vocês, regozijou-se porque veria o meu dia; ele o viu e alegrou-se” (Jo 8.56). Isso se refere certamente à alegria de Abraão em olhar em direção ao dia do Messias prometido. Assim, mesmo os crentes do AT possuíam fé salvadora em Cristo, para quem eles olharam, não com o conhecimento exato dos detalhes históricos da vida de Cristo, mas com grande fé na absoluta confiabilidade da palavra da promessa de Deus.
A Bíblia é necessária para a salvação, portanto, neste sentido: uma pessoa deve ler a mensagem do evangelho da Bíblia por si própria ou ouvi-la de outra pessoa. Mesmo os crentes que alcançaram a salvação na antiga aliança obtiveram-na quando confiaram nas palavras de Deus que prometiam o Salvador que estava para vir.
Há outras idéias que diferem deste ensino bíblico. O inclusivismo é o pensamento de que as pessoas podem ser salvas pela obra de Cristo sem conhecer nada a respeito dele e sem confiar nele, mas simplesmente por seguirem sinceramente a religião que conhecem. Os inclusivistas freqüentemente falam a respeito de “muitos caminhos diferentes para Deus” mesmo que enfatizem que eles pessoalmente crêem em Cristo. O universalismo é o pensamento de que todas as pessoas, em última instância, serão salvas. O pensamento sustentado neste capítulo de que as pessoas não podem ser salvas sem conhecer a respeito de Cristo e da confiança nele é por vezes chamado exclusivismo (embora a palavra em si mesma não seja feliz, por sugerir um desejo excluir outros e, desse modo, falhe em transmitir o tema do alcance missionário, tão forte no NT).

2. A Bíblia é necessária para a manutenção da vida espiritual.

Jesus diz em Mateus 4.4 (citando Dt 8.3) que “nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus”. Aqui Jesus indica que nossa vida espiritual é mantida pela nutrição diária com a Palavra de Deus, exatamente como nossa vida física é mantida pela nutrição diária com comida física. Negligenciar a leitura regular da Palavra de Deus é prejudicial para a saúde de nossa alma, como negligenciar a comida física é prejudicial para a saúde de nosso corpo.

3. A Bíblia é necessária para o conhecimento seguro da vontade de Deus.

Será argumentado adiante que todas as pessoas nascidas possuem algum conhecimento da vontade de Deus por meio de sua consciência. Mas esse conhecimento é muitas vezes indistinto e não pode comunicar certeza. De fato, se não houvesse nenhuma Palavra de Deus escrita, não poderíamos nunca adquirir certeza a respeito da vontade de Deus por outros meios, como o conselho de outros, o testemunho interno do Espírito Santo, circunstâncias mudadas e o uso do raciocínio santificado e do senso comum. Esses meios todos poderiam dar uma aproximação da vontade de Deus de modo mais ou menos confiável, mas somente por intermédio deles nenhuma certeza da vontade de Deus poderia ser obtida, ao menos no mundo decaído onde o pecado distorce a nossa percepção do que é certo e do que é errado, conduz ao raciocínio errôneo em nosso processo de pensamento e suprime de vez em quando o testemunho de nossa consciência (cf. Jr 17.9; Rm 2.14,15; lCo 8.10; Hb 5.14; 10.22; v. tb. lTm 4.2; Tt 1.15).
Na Bíblia, contudo, temos afirmações claras e definidas a respeito da vontade de Deus. Deus não nos revelou todas as cosias, mas nos revelou o suficiente para sabermos sua vontade: “As coisas encobertas pertencem ao SENHOR, o nosso Deus, mas as reveladas pertencem a nós e aos nossos filhos para sempre, para que sigamos todas as palavras desta lei” (Dt 29.29). Como foi no tempo de Moisés, assim é conosco hoje: Deus nos revelou suas palavras a fim de que pudéssemos obedecer a suas leis e, desse modo, fazer sua vontade. Ser “irrepreensível” à vista de Deus é viver “conforme a lei do SENHOR” (Sl 119.1). O homem “feliz” é aquele que não segue o conselho dos ímpios (S1 1.1), mas “sua satisfação está na lei do SENHOR” (Sl 1.2). Amar a Deus (e, assim, agir de modo que o agrade) é “obedecer aos seus mandamentos” (1Jo 5.3). Se podemos ter certo conhecimento da vontade de Deus, devemos obtê-lo mediante o estudo da Escritura.
De fato, em certo sentido pode ser argumentado que a Bíblia é necessária para se obter algum conhecimento a respeito de qualquer coisa. Um filósofo poderia argumentar da seguinte maneira:
O fato de que não conhecemos tudo requer de nós que estejamos incertos a respeito de cada coisa que afirmamos conhecer. Isso é assim porque algo que desconhecemos pode ainda surgir para provar que o que pensamos ser verdadeiro é realmente falso. Contudo, Deus conhece todos os fatos que aconteceram ou acontecerão. E este Deus, que nunca mente, falou-nos na Escritura, na qual ele nos declara muitas coisas a respeito de si mesmo, de nós próprios e do universo que criou. Nenhum fato pode jamais surgir para contradizer a verdade falada por Aquele que é onisciente.
Assim, é apropriado para nós estar mais seguros a respeito das verdades que lemos na Escritura do que sobre qualquer outro conhecimento que temos. Se fôssemos falar a respeito de graus de certeza de conhecimento que temos, então o conhecimento que obtemos da Escritura teria o mais alto grau de certeza. Se a palavra certo pode ser aplicada a qualquer espécie de conhecimento humano, ela pode ser aplicada a este conhecimento. Os cristãos que sustentam a Bíblia como Palavra de Deus livram-se do ceticismo filosófico a respeito da possibilidade de obter conhecimento seguro com nossa mente finita. Nesse sentido, então, é correto dizer que, para pessoas que não são oniscientes, a Bíblia é necessária para o conhecimento seguro a respeito de tudo.

4. Mas a Bíblia não é necessária para se saber que Deus existe ou para saber algo a respeito do caráter de Deus e das leis morais.

Que dizer de pessoas que não lêem a Bíblia? Elas podem obter algum conhecimento de Deus? Elas podem conhecer certas coisas a respeito de suas leis? Sim, é possível algum conhecimento de Deus sem a Bíblia, mesmo que não seja um conhecimento seguro.

a. A revelação geral e a revelação especial. As pessoas podem obter o conhecimento de que Deus existe e de alguns de seus atributos simplesmente por observar a si mesmas e ao mundo que as rodeia. Davi diz: “Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos” (Sl 19.1). Olhar para o céu significa ver a evidência do infinito poder, sabedoria e mesmo beleza de Deus; significa observar o testemunho majestoso da glória de Deus.
Mesmo aqueles que, por sua impiedade, suprimem a verdade, não podem evitar as evidências da existência e da natureza de Deus na ordem da criação:
Pois o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis; porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e o coração insensato deles obscureceu-se Rm 1.19-21).
Aqui Paulo não diz somente que a criação dá evidência da existência e do caráter de Deus, mas também que mesmo os ímpios reconhecem essa evidência. O que pode ser conhecido a respeito de Deus “é manifesto entre eles”, e realmente eles conheceram Deus (ao que parece, eles conheceram quem ele era), mas “não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças”. Essa passagem nos permite dizer que todas as pessoas, mesmo as mais ímpias, possuem algum conhecimento interno ou percepção de que Deus existe e que ele é o Criador poderoso. Esse conhecimento é visto “por meio das coisas criadas”, expressão que se refere a toda a criação, incluindo a raça humana.
Paulo continua a mostrar em Romanos 1 que mesmo os descrentes que não possuem nenhum registro escrito das leis de Deus ainda têm em suas consciências algum entendimento das exigências morais de Deus. Falando de uma longa lista de pecados (“inveja, homicídio, rivalidades, engano...”), Paulo diz dos ímpios que os praticam: “Embora conheçam o justo decreto de Deus, de que as pessoas que praticam tais coisas merecem a morte, não somente continuam a praticá-las, mas também aprovam aqueles que as praticam” (Rm 1.32). Os ímpios sabem que seus pecados são errados, ao menos em grande medida.
Paulo fala então a respeito da atividade da consciência nos gentios que não possuem a lei escrita: “De fato, quando os gentios, que não têm a Lei, praticam naturalmente o que ela ordena, tornam-se lei para si mesmos, embora não possuam a Lei; pois mostram que as exigências da Lei estão gravadas em seu coração. Disso dão testemunho também a sua consciência e os pensamentos deles, ora acusando-os, ora defendendo-os” (Rm 2.14,15).
A consciência dos descrentes testemunha dos padrões morais de Deus, mas às vezes essa evidência da lei de Deus no coração deles é distorcida ou suprimida. Às vezes seus pensamentos os acusam e às vezes seus pensamentos os defendem, diz Paulo. O conhecimento das leis de Deus derivado de tais fontes nunca é perfeito, mas é suficiente para criar a consciência das exigências morais de Deus para toda a raça humana. (E é com base nisso que Paulo argumenta que toda a humanidade é considerada culpada diante de Deus pelo pecado, mesmo os que não possuem as leis escritas de Deus na Escritura).
O conhecimento da existência, do caráter e da lei moral de Deus, que vem por meio da criação para toda a humanidade, é muitas vezes chamado “revelação geral” (porque ela vem a todas as pessoas).A revelação geral vem por meio da observação da natureza, por meio da percepção da influência direta de Deus na história e por meio do senso interior da existência de Deus e de suas leis que ele colocou dentro de cada pessoa. A revelação geral é distinta da revelação especial, que se refere às palavras de Deus dirigidas a pessoas específicas, como as palavras que estão na Bíblia, as palavras dos profetas do AT e dos apóstolos do NT, e as palavras de Deus faladas diretamente, como aquelas ditas no monte Sinai e no batismo de Jesus.
O fato de que todas as pessoas conhecem alguma coisa das leis morais de Deus é uma grande bênção para a sociedade, pois sem elas não haveria restrição social à prática do mal que as pessoas cometeriam nem refreamento vindo de suas consciências. Porque há algum conhecimento comum do certo e do errado, os cristãos podem muitas vezes estabelecer grande consenso com os não-cristãos em matéria da lei civil, padrões de comunidade, ética básica de negócios e de atividade profissional, além de padrões de conduta aceitáveis na vida cotidiana. O conhecimento da existência e do caráter de Deus também proporciona uma base de informação que capacita o evangelho a fazer sentido para o coração e a mente do não-cristão; os descrentes sabem que Deus existe e que eles quebraram os seus padrões, de modo que as novas de que Cristo morreu para pagar por seus pecados deveriam soar verdadeiramente como boas novas para eles.

b. A revelação especial é necessária para a salvação. Contudo, deve ser enfatizado que em nenhum lugar a Escritura indica que as pessoas podem conhecer o evangelho, ou o caminho da salvação, por meio da revelação geral. Elas podem saber que Deus existe, que ele as criou, que elas lhe devem obediência e que elas pecaram contra ele. Mas como a santidade e a justiça de Deus podem ser conciliadas com o seu desejo de perdoar pecados é um mistério que nunca foi resolvido por religião alguma à parte da Bíblia. Nem a Bíblia nos dá qualquer esperança de que tal mistério possa ser desvendado independentemente da revelação específica de Deus. É uma grande maravilha de nossa redenção que o próprio Deus tenha providenciado o caminho de salvação por enviar o próprio Filho, que é tanto Deus como homem, para ser o nosso representante e suportar a penalidade de nossos pecados, combinando dessa forma a justiça e o amor de Deus de modo infinitamente sábio e por meio de um ato maravilhosamente gracioso. Esse fato, que parece lugar-comum aos ouvidos do cristão, não deveria perder o seu encanto para nós: ele nunca poderia ter sido concebido somente pelo homem independentemente da revelação verbal e especial de Deus.

C. A suficiência da Escritura

Podemos definir a suficiência da Escritura da seguinte maneira: A suficiência da Escritura significa que a Escritura continha todas as palavras de Deus que ele pretendeu que seu povo tivesse em cada estágio da história redentora, e que agora ela contém tudo o que precisamos que Deus nos diga para nossa salvação, para confiarmos nele perfeitamente e para que lhe obedeçamos perfeitamente.
Essa definição enfatiza o fato de que é na somente Escritura que devemos procurar as palavras de Deus para nós. Ela também nos lembra que Deus considera o que nos tem dito na Bíblia como suficiente para nós e que devemos nos regozijar na grande revelação que ele nos deu, ficando contentes com ela.
A explicação e o apoio bíblico significativos para essa doutrina são encontrados nas palavras de Paulo a Timóteo: “Porque desde criança você conhece as Sagradas Letras, que são capazes de torná-lo sábio para a salvação mediante a fé em Cristo Jesus” (2Tm 3.15).O contexto mostra que “as Sagradas Letras” aqui significam as palavras escritas na Escritura (2Tm 3.16). Isso é a indicação de que as palavras de Deus que temos na Escritura são todas as palavras de Deus de que precisamos a fim de que sejamos salvos; essas palavras são capazes de nos tornar sábios “para a salvação”.
Outras passagens indicam que a Bíblia é suficiente para equipar-nos para viver a vida cristã. Em Salmos 119.1 afirma-se: “Como são felizes os que andam em caminhos irrepreensíveis, que vivem conforme a lei do SENHOR!”. Esse versículo mostra a equivalência entre ser irrepreensível e “viver conforme a lei do SENHoR”; os irrepreensíveis são os que andam na lei do Senhor. Aqui temos a indicação de que tudo o que Deus requer de nós está registrado na Palavra escrita. Simplesmente fazer tudo o que a Bíblia ordena é ser irrepreensível à vista de Deus. Mais tarde lemos que um jovem pode “manter pura a sua conduta”. Como? “Vivendo de acordo com a tua palavra” (Sl 119.9). Paulo diz que Deus deu a Escritura a fim de que o homem de Deus fosse “plenamente preparado para toda boa obra” (2Tm 3.17).

1. Encontramos tudo o que Deus disse sobre tópicos específicos e podemos encontrar respostas às nossas perguntas.

Naturalmente, percebemos que nunca obedeceremos perfeitamente a toda a Escritura nesta vida (v. Tg 3.2; lJo 1.8-10). Assim, à primeira vista pode não parecer muito importante dizer que tudo o que temos de fazer é o que Deus nos ordena na Bíblia, visto que nunca seremos capazes de obedecer a ela em todas as coisas, de qualquer forma. Mas a verdade da suficiência da Escritura é de grande importância para nossa vida cristã, porque ela nos capacita a concentrar nossa busca das palavras de Deus para nós somente na Bíblia e nos livra da tarefa infindável de pesquisar em todas os escritos dos cristãos por meio de toda a história, ou nos ensinos da igreja, ou em todas as sensações e impressões subjetivas que vêm à nossa mente dia após dia, a fim de saber o que Deus requer de nós. De modo muito prático, isso significa que somos capazes de chegar a conclusões claras sobre muitos ensinos da Escritura.
Essa doutrina significa, além disso, que é possível coletar todas as passagens que dizem respeito diretamente a questões doutrinárias como a expiação, ou a pessoa de Cristo, ou a obra do Espírito Santo na vida dos crentes hoje. Nessas e em centenas de outras questões morais ou doutrinárias, o ensino bíblico a respeito da suficiência da Escritura dá-nos confiança de que nós seremos capazes de saber o que Deus requer que pensemos ou façamos nessas áreas. Em muitas dessas áreas podemos obter certeza de que nós, juntamente com a grande maioria da igreja no decorrer da história, encontramos de maneira corretamente formulada tudo o que Deus quer que pensemos ou façamos. Afirmada de modo simples, a doutrina da suficiência da Escritura nos diz que é possível estudar teologia sistemática e ética e encontrar nelas respostas às nossas perguntas.

2. A quantidade de Escritura dada foi suficiente em cada estágio da história redentora.

A doutrina da suficiência da Escritura não implica simplesmente que Deus não pode mais acrescentar palavras às que ele já falou ao seu povo. Ao contrário, a doutrina implica que os seres humanos não podem acrescentar, por iniciativa própria, quaisquer palavras às que Deus já falou. Além disso, ela sugere que de fato Deus não falou à raça humana outras palavras mais, em relação às quais ele requeira crença ou obediência, além das que temos na Bíblia.
Esse ponto é importante, porque nos ajuda a entender como Deus poderia dizer a seu povo que suas palavras lhes eram suficientes em muitos pontos diferentes na história da redenção e como ele poderia, não obstante, acrescer outras palavras posteriormente. Por exemplo, em Deuteronómio 29.29 Moisés diz que “as coisas encobertas pertencem ao SENHOR, o nosso Deus, mas as reveladas pertencem a nós e aos nossos filhos para sempre, para que sigamos todas as palavras desta lei”.
Esse versículo nos lembra que Deus sempre tomou a iniciativa de revelar coisas a nós. Ele decidiu o que revelar e o que não revelar. Em cada estágio da história da redenção, as coisas que Deus revelou foram para o seu povo para aquela época, e eles deviam estudá-las, crer nelas e obedece-las. Com o progresso posterior da história da redenção, mais palavras de Deus foram acrescentadas, registrando e interpretando aquela história.

3. Aplicações práticas da suficiência da Escritura.

A doutrina da suficiência da Escritura tem diversas aplicações práticas para nossa vida cristã. A lista seguinte tem a intenção de ser útil, mas não é completa.

a. Encorajamento para buscar respostas na Bíblia. A suficiência da Escritura deveria nos encorajar a tentar descobrir o que Deus queria que pensássemos (a respeito de uma questão doutrinária específica) e que fizéssemos (em certa situação específica). Devemos ser encorajados a encontrar na Escritura tudo o que Deus quer nos dizer a respeito de determinado assunto. Isso não quer dizer que a Bíblia tem resposta para todas as perguntas que possamos imaginar, porque “as coisas encobertas pertencem ao SENHOR, o nosso Deus” (Dt 29.29). Mas significa que, quando enfrentamos um problema de importância genuína para a vida cristã, podemos abordar a Escritura com a certeza de que nela Deus proverá orientação para esse nosso problema.
Haverá ocasiões, naturalmente, em que a resposta que procuramos para nossas perguntas não estará mencionada diretamente na Escritura. (Seria o caso, por exemplo, de tentar encontrar na Escritura que tipo de adoração devemos usar nos cultos dominicais, ou se é melhor ajoelhar ou permanecer em pé quando oramos, ou em que horário devemos tomar nossas refeições durante o dia, e assim por diante.) Nesses casos, podemos concluir que Deus não exigiu que pensássemos ou agíssemos de determinado modo com respeito a essas questões (exceto, talvez, em termos de princípios gerais com respeito a nossas atitudes e metas). Mas, em muitos outros casos, encontraremos orientação direta e clara do Senhor para equipar-nos para “toda boa obra” (2Tm 3.17).

b. Advertência para não acrescentar nada à Escritura.
A suficiência da Escritura lembra-nos que não devemos acrescentar nada à Escritura e que não devemos considerar nenhum outro livro que seja de igual valor ao da Escritura. Esse princípio tem sido violado pela maioria de todas as seitas. Os mórmons, por exemplo, dizem crer na Bíblia, mas também dizem crer na autoridade divina do Livro de Mórmon. Semelhantemente a Ciência Cristã afirma crer na Bíblia, mas na prática considera que o livro Ciência e saúde com a chave das Escrituras, escrito por Mary Baker Eddy, é de igual valor ao da Bíblia ou maior até em matéria de autoridade. Visto que essas pretensões violam os mandamentos de Deus de não acrescentar nada às suas palavras, não devemos pensar que quaisquer palavras adicionais de Deus a nós podem ser encontradas nesses livros. Mesmo nas igrejas cristãs erros semelhantes são cometidos quando as pessoas vão além do que a Escritura ensina e asseveram com grande confiança novas idéias a respeito de Deus ou do céu, baseando seus ensinos não na Escritura, mas em sua especulação, ou mesmo em pretensas experiências de terem morrido e voltado à vida.

c. Advertência para não contar com qualquer outra direção de Deus como igual à Escritura.
A suficiência da Escritura nos mostra que nenhuma das revelações modernas ditas como vindas de Deus deve ser colocada no nível igual à autoridade da Escritura. Várias vezes no decorrer da história da igreja, e particularmente no movimento carismático moderno, pessoas têm asseverado que Deus deu revelações por meio delas para o benefício da igreja. Mesmo pessoas de igrejas não-carismáticas muitas vezes dizem que Deus as “conduziu” ou “guiou” de certo modo. Contudo, ao avaliarmos tais alegações, devemos ser cuidadosos em nunca permitir (na teoria ou na prática) que tais revelações sejam colocadas no nível igual ao da Escritura. Devemos insistir no fato de que Deus não requer de nós que creiamos em nada a respeito de si mesmo ou de sua obra no mundo que esteja contido nessas revelações, mas que não esteja na Escritura. Devemos insistir em que Deus não requer de nós que obedeçamos a qualquer orientação moral que nos venha mediante tais meios, mas que não seja confirmada pela Escritura.A Bíblia contém todas as palavras de Deus em que precisamos confiar e às quais devemos obedecer perfeitamente.

d. Advertência para não acrescentar mais pecados ou exigências aos que já são mencionados na Escritura.
Com respeito à vida cristã, a suficiência da Escritura nos lembra que nada é pecado que não seja proibido pela Escritura explícita ou implicitamente. Andar na lei do Senhor é ser irrepreensível (Sl 119.1). Portanto, não devemos acrescentar proibições às que já estão afirmadas na Escritura. De vez em quando pode haver situações nas quais seria errado para o cristão, por exemplo, beber café ou Coca-Cola, ou ir ao cinema, ou comer carne oferecida a ídolos (v. lCo 8.10), mas a menos que se possa mostrar algum ensino específico ou princípio geral da Escritura proibindo tais atividades (ou semelhantes) para todos os crentes de todas as épocas, devemos insistir em que essas atividades não são em si mesmas pecaminosas e que não são em todas as situações proibidas por Deus para o seu povo.
A descoberta desta grande verdade poderia trazer tremenda alegria e paz para a vida de milhares de cristãos que, gastando horas sem conta procurando a vontade de Deus fora da Escritura, muitas vezes continuam sem saber se a encontraram. Em vez disso, os cristãos que estão convencidos da suficiência da Escritura devem ansiosamente começar a procurar e encontrar a vontade de Deus na Escritura. Eles devem crescer em obediência a Deus, de modo entusiástico e regular, experimentando grande liberdade e paz na vida cristã. Então, serão capazes de dizer, como o salmista:

Obedecerei constantemente à tua lei, para todo o sempre.
Andarei em verdadeira liberdade, pois tenho buscado os teus preceitos. [...].
Os que amam a tua lei desfrutam paz, e nada há que os faça tropeçar.
(Sl 119.44,45,165)

e. Encorajamento para satisfazer-nos com a Escritura.

A suficiência da Escritura lembra-nos de que em nosso ensino ético e doutrinário devemos enfatizar o que a Escritura enfatiza e satisfazer-nos com o que Deus nos tem dito na Escritura. Há alguns assuntos a respeito dos quais Deus nos disse muito pouco ou nada na Bíblia. Devemos lembrar que “as coisas encobertas pertencem ao SENHOR” (Dt 29.29) e que Deus revelou-nos na Escritura exatamente o que considera o suficiente para nós. Devemos aceitar isso, e não pensar que a Escritura é algo menos que deveria ser ou começar a desejar que Deus nos tivesse dado muito mais informações a respeito desses assuntos sobre os quais há pouca menção na Escritura.
Os assuntos doutrinários que têm dividido as denominações protestantes evangélicas são quase sempre assuntos nos quais a Bíblia coloca relativamente pouca ênfase e outros sobre os quais são tiradas conclusões muito mais em razão de inferências habilidosas que de afirmações bíblicas diretas. Por exemplo, diferenças denominacionais constantes têm ocorrido ou sido mantidas por causa da forma “apropriada” de governo da igreja, da natureza precisa da presença de Cristo na Ceia do Senhor e da seqüência exata dos eventos que circundam a volta de Cristo.
Não devemos dizer que todas essas questões sejam sem importância, nem devemos dizer que a Escritura não dê solução alguma para qualquer delas (de fato, com respeito a muitas delas, a solução específica será defendida nos capítulos subseqüentes deste livro). Contudo, visto que todos esses tópicos recebem relativamente pouca ênfase direta na Escritura, é irônico e trágico que líderes denominacionais com freqüência gastem muito de sua vida defendendo precisamente os pontos doutrinários de menor importância que fazem com que suas denominações difiram das outras. Tal esforço é realmente motivado pelo desejo de trazer unidade de entendimento para a igreja? Ou origina-se no orgulho humano, no desejo de exercer poder sobre outros? Ou será ainda a tentativa de autojustificação, que é desagradável a Deus e, de modo definitivo, não traz edificação para a igreja?

“Não há implicação, de minha parte, da adoção de ponto de vista cessacionista sobre os dons espirituais (que é o entendimento de que certos dons, tais como a profecia e o falar em línguas tenham cessado com a morte dos apóstolos). Eu simplesmente quero destacar que há um perigo em dar a esses dons, explícito ou implicitamente, um status, que na prática, desafia a autoridade ou a suficiência da Escritura na vida cristã”.

Autor: Wayne Grudem
Fonte: Teologia Sistemática do Autor, Ed. Vida Nova. Compre este livro em
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A inerrância da Escritura

Nota: AT = Antigo Testamento ; NT = Novo Testamento

1. O significado de inerrância.

A seção anterior tratou a respeito da veracidade da Escritura. Um componente importante desse tópico é a inerrância da Escritura. Essa questão é de grande importância no mundo evangélico hoje porque em muitos círculos a veracidade da Escritura tem sido questionada ou mesmo abandonada.
Com a evidência dada acima a respeito da veracidade da Escritura, estamos agora na posição de definir a inerrância bíblica: A inerrância da Escritura significa que a Escritura, nos seus manuscritos originais, não afirma nada que seja contrário ao fato.
Essa definição enfoca a questão da veracidade e da falsidade na linguagem da Escritura. A definição em termos simples significa apenas que a Bíblia sempre diz a verdade e que ela sempre diz a verdade a respeito de cada coisa a que se refere. Essa definição não significa que a Bíblia nos diz cada fato que há para conhecer a respeito de um assunto, mas afirma que o que ela diz a respeito de um assunto é verdadeiro.
É importante perceber no começo desta discussão que o foco desta controvérsia é sobre a questão da veracidade na linguagem. Deve-se reconhecer que a veracidade absoluta na linguagem está de acordo com alguns outros tipos de afirmações, como as que se seguem:

a. A Bíblia pode ser inerrânte e ainda falar a linguagem habitual da conversação diária.

Isso é especialmente verdadeiro nas descrições de fatos ou eventos de caráter “científico” ou “histórico”. A Bíblia pode falar do sol que se levanta e da chuva que cai por causa perspectiva do narrador, que é exatamente o que acontece. Da perspectiva do narrador, o sol realmente se levanta e a chuva realmente cai, e essas são descrições perfeitamente verdadeiras dos fenômenos naturais que o narrador observa.
Uma consideração similar aplica-se aos números quando usados para contar ou para medir. Um repórter pode dizer que 8000 homens foram mortos em determinada batalha sem, desse modo, sugerir que ele contou cada um e que não havia 7 999 ou 8001 soldados mortos. Isso é verdade também a respeito das medidas. Se eu digo: “Não moro longe da biblioteca”, ou “Moro a pouco mais de um quilômetro da biblioteca”, ou “Moro a um pouquinho menos de um quilômetro da biblioteca” ,ou “Moro a um quilômetro e meio da biblioteca”, todas essas afirmações possuem certo grau de proximidade e de exatidão. Em ambos os exemplos, e em muitos outros que poderiam ser retirados da vida diária, os limites da veracidade dependeriam do grau de precisão sugerido pelo narrador e esperado por seus ouvintes originais. Não haveria problema para nós, então, em afirmar que, ao mesmo tempo em que a Bíblia é absolutamente verdadeira em tudo o que diz, ela usa a linguagem comum para descrever os fenômenos naturais e dar aproximações ou números redondos quando eles são apropriados no contexto.

b. A Bíblia pode ser inerrânte e, todavia, incluir citações livres ou soltas.

O método pelo qual uma pessoa cita as palavras de outra é um procedimento que em grande parte varia de cultura para cultura. Enquanto na cultura contemporânea americana e inglesa costumamos mencionar as palavras exatas de uma pessoa fazendo citações entre aspas, o grego escrito no tempo do NT não possuía aspas ou qualquer espécie de sinalização equivalente, e a citação exata de outra pessoa precisava incluir somente a apresentação correta do conteúdo do que a pessoa havia dito (mais ou menos como o nosso uso de citações indiretas); não era esperado que cada palavra fosse citada com exatidão. Assim, a inerrância é coerente com citações livres ou soltas do AT ou das palavras de Jesus, por exemplo, contanto que o conteúdo não seja falso em relação ao que originariamente foi afirmado. O escritor original não sugeriu de forma geral que estivesse usando as palavras exatas de um narrador e somente aquelas, nem os ouvintes originais esperavam a citação textual em tal narração.

c. As construções gramaticais incomuns ou excepcionais na Bíblia não contradizem a inerrância.

Alguma coisa da linguagem na Escritura é elegante e estilisticamente excelente. Outras passagens da Escritura contêm linguagem mais própria das pessoas comuns. As vezes isso inclui a falha em seguir as regras de expressão usualmente aceitáveis (como o uso de um verbo no plural, quando as regras gramaticais exigem um verbo no singular). Essas afirmações gramaticais estilisticamente incorretas (muitas delas são encontradas no livro de Apocalipse) não devem ser problema para nós, pois elas não afetam a veracidade das afirmações em pauta; a afirmação pode não ser gramaticalmente correta e, todavia, ser totalmente verdadeira. Por exemplo, o lenhador da área rural que não possua educação formal pode ser o homem mais confiável da região, mesmo que a sua gramática seja pobre, porque ele ganhou a reputação de nunca mentir. De modo semelhante, há algumas afirmações na Escritura (nas línguas originais) que não são corretas gramaticalmente (de acordo com os padrões vigentes da boa gramática naquele tempo), mas são ainda inerrântes porque são completamente verdadeiras. Deus usou pessoas comuns que usaram o seu vocabulário comum. A questão não é a elegância de estilo, mas a veracidade no falar.

2. Alguns desafios comuns a inerrância.

Nesta seção vamos examinar algumas das objeções mais importantes que são regularmente levantadas contra o conceito de inerrância.
A Bíblia é a única regra repleta de autoridade para a “fé e prática”.
Uma das objeções mais freqüentes à inerrância é levantada por aqueles que dizem que o propósito da Escritura é ensinar-nos em áreas que dizem respeito à “fé e prática” somente, isto é, nas áreas que dizem respeito diretamente à nossa fé religiosa ou nossa conduta ética. Essa posição permite a possibilidade de afirmações falsas na Escritura, como, por exemplo, em outras áreas como a de detalhes históricos sem maior importância ou em fatos científicos — essas áreas, é dito, não dizem respeito ao propósito da Bíblia, que é o de nos instruir sobre em que devemos crer e como devemos viver. Os defensores dessa posição muitas vezes preferem dizer que a Bíblia é infalível, mas hesitam em usar a palavra inerrânte.
A resposta a essa objeção pode ser afirmada do seguinte modo: A Bíblia repetidamente afirma que toda a Escritura é útil para nós e que tudo é “inspirado por Deus” (2Tm 3.16). Assim, ela é completamente pura (Sl 12.6), perfeita (Sl 119.96) e verdadeira (Sl 119. 160).A Bíblia não faz ela própria qualquer restrição aos assuntos sobre os quais fala com toda a verdade.

O NT contém afirmações adicionais sobre a confiabilidade de todas as partes da Escritura. Em Atos 24.14, Paulo diz que ele adora a Deus, acreditando “em tudo o que concorda com a Lei e no que está escrito nos Profetas”. Em Lucas 24.25 (RA), Jesus diz que os discípulos são “néscios” porque eram “tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram”. Em Romanos 15.4, Paulo diz que “tudo o que foi escrito no passado” no AT “foi escrito para nos ensinar”. Esses textos não dão indicação alguma de que haja qualquer parte da Escritura que não seja digna de confiança ou na qual não se possa confiar completamente.
O rápido exame do detalhes históricos do AT que são citados no NT indica que os escritores do NT estavam desejosos de confiar na veracidade de qualquer parte das narrativas históricas do AT. Nenhum detalhe é tão insignificante que não possa ser usado para a instrução dos cristãos do NT (v.,por ex., Mt 12.3,4,41; Lc 4.25,26; Jo 4.5; Co 10.11; Hb 11; Hb 12.16,17; Tg 2.25; 2Pe 2.16 etc.). Não há indicação alguma de que eles pensassem que uma categoria de afirmações da Escritura não fosse confiável (por exemplo, afirmações “históricas e científicas” como opostas às passagens de caráter doutrinário ou moral). Parece claro que a Bíblia em si mesma não dá suporte a qualquer restrição com respeito a assuntos dos quais ela fala com autoridade e verdade absoluta; de fato, muitas passagens na Escritura realmente excluem a validade desta espécie de restrição.
A segunda resposta aos que limitam a veracidade necessária da Escritura a matérias de “fé e prática” é que o pensamento deles confunde o propósito principal da Escritura com o propósito total dela. Dizer que o propósito principal da Escritura é ensinar-nos em matéria de “fé e prática” é fazer um sumário útil e correto do propósito de Deus em nos dar a Bíblia. Mas, como sumário, ele inclui somente o propósito mais proeminente de Deus ao nos dar a Escritura. Não é, contudo, legítimo usar esse sumário para negar que é parte do propósito da Escritura discorrer a respeito de detalhes históricos menos importantes ou a respeito de alguns aspectos de astronomia ou geografia, e assim por diante. Um sumário não pode ser devidamente usado para negar uma das coisas que ele está sintetizando! É melhor dizer que o propósito total da Escritura é dizer tudo o que ela diz, qualquer que seja o assunto. Cada uma das palavras de Deus na Escritura foi considerada por ele como importante para nós. Assim, Deus emite severas advertências a qualquer um que retire mesmo uma só palavra do que ele nos disse (Dt 4.2; 12.32; Ap 22.18,19). Não podemos acrescentar nada às palavras de Deus ou retirar algo delas, porque todas são parte do propósito mais amplo que ele nos quis comunicar. Cada coisa afirmada na Escritura está ali porque Deus quis que estivesse. Deus não diz nada sem propósito!

O termo inerrância é um termo pobre.

As pessoas que fazem essa segunda objeção dizem que o termo inerrância é preciso demais e que no uso comum denota uma espécie de precisão científica absoluta que não queremos reivindicar para a Escritura. Além disso, os que levantam essa objeção observam que o termo inerrância não é usado na própria Bíblia. Portanto, eles dizem, provavelmente não é o termo apropriado sobre o qual devamos insistir.
A resposta a essa objeção pode ser feita do seguinte modo: Primeiro, a palavra tem sido usada por estudiosos há mais de cem anos, e eles sempre têm atentado para “limitações” que fazem parte de uma narrativa na linguagem comum. Ademais, deve ser observado que muitas vezes usamos termos não bíblicos para resumir um ensino bíblico. A palavra Trindade não ocorre na Escritura, nem a palavra encarnação. Todavia, ambos os termos são muito úteis porque nos permitem sintetizar em uma palavra um conceito bíblico verdadeiro e são, portanto, úteis para capacitar-nos a discutir um ensino bíblico mais facilmente. Finalmente, hoje na igreja parece que somos incapazes de levar a discussão adiante nessa matéria sem o uso do termo. As pessoas podem objetar a termos, se quiserem, mas, gostando ou não, esse é o termo em torno do qual a discussão tem-se desenvolvido e quase certamente continuará a sê-lo nas próximas décadas. Portanto, parece apropriado manter seu uso na discussão a respeito da veracidade completa da Escritura.


 Não possuímos nenhum manuscrito inerrânte.

Portanto, falar a respeito de inerrância é um engano. Os que fazem essa objeção apontam para o fato de que a inerrância sempre tem sido reivindicada para o documento original ou para as cópias originais dos documentos bíblicos. Todavia, nenhuma delas sobrevive; temos somente cópias de cópias do que Moisés, Paulo ou Pedro escreveram. Qual é, então, a razão de se atribuir tanta importância à doutrina que se aplica somente aos manuscritos que ninguém possui?
Em resposta a essa objeção, podemos primeiro pensar em uma analogia da história americana. A cópia original da Constituição dos Estados Unidos está guardada no edifício chamado National Archives, em Washington, DC. Se por causa de um terrível evento o edifício for destruído e a cópia original da Constituição se perder, poderíamos saber o que a Constituição dizia? Claro que sim! Nós compararíamos suas centenas de cópias e, onde todas concordassem, teríamos razão para crer que temos as palavras exatas do documento original.
Processo semelhante ocorreu na determinação das palavras originais da Bíblia. Pois, em cerca de 99% das palavras da Bíblia, nós sabemos o que o manuscrito original dizia. Mesmo que em muitos versículos haja variantes textuais (isto é, palavras diferentes em diferentes cópias antigas do mesmo versículo), a decisão correta é com freqüência bastante clara (pode haver um óbvio erro de copista, por exemplo), e há realmente pouquíssimos lugares onde a variante textual seja ao mesmo tempo difícil de avaliar e relevante para a determinação do sentido do texto. Em porcentagem pequena de casos em que há incerteza significativa a respeito do que o texto original dizia, o sentido geral da frase em geral é suficientemente claro por causa do contexto.
Isso não significa que o estudo das variantes textuais não seja importante, mas significa que o estudo das variantes textuais não nos deixa confusos a respeito do que os manuscritos originais disseram. Ao contrário, esse estudo nos aproxima do conteúdo dos manuscritos originais. Porque, para a maior parte dos propósitos práticos, os textos especializados presentemente publicados do hebraico do AT e do grego do NT são como se fossem os manuscritos originais. Portanto, a doutrina da inerrância afeta como pensamos não somente a respeito dos manuscritos originais, mas também a respeito dos manuscritos atuais.


Os autores bíblicos “acomodaram” suas mensagens nos detalhes menos importantes às falsas idéias correntes em seu tempo e afirmaram ou ensinaram essas idéias de modo incidental.
Os que sustentam essa posição argumentam que teria sido muito difícil para os escritores bíblicos comunicar-se com o povo de seu tempo se tivessem tentado corrigir toda a falsa informação histórica e científica aceita por seus contemporâneos (como o universo de três andares ou que nosso planeta é uma espécie de prato plano, e assim por diante). Portanto, dizem, quando os autores da Escritura estavam tentando propor um argumento mais amplo, algumas vezes incidentalmente fizeram certas afirmações falsas aceitas pelas pessoas de sua época.
A essa objeção à inerrância podemos responder que Deus é o Senhor da linguagem que pode usar a linguagem humana para comunicar-se perfeitamente sem ter de afirmar quaisquer idéias falsas que possam ter sido sustentadas pelas pessoas contemporâneas aos autores da Escritura. Além disso, tal “acomodação” de Deus ao nosso entendimento errôneo implicaria que Deus agiu contrariamente ao seu caráter de um Deus que não pode mentir (Nm 23.19; Tt 1.2; Hb 6.18). Embora Deus se rebaixe a falar a língua dos seres humanos, nenhuma passagem da Escritura ensina que ele seja ‘‘condescendente’’ a ponto de agir de modo contrário ao seu caráter moral. Essa objeção, assim, em sua raiz, interpreta mal a pureza e a unidade de Deus na medida em que elas afetam todas as suas palavras e os seus atos.

Há alguns erros claros na Bíblia.

Para muitos que negam a inerrância, a convicção de que há alguns erros evidentes na Escritura é o fator de maior importância que os persuade a desafiar a doutrina da inerrância. Em cada caso, contudo, a primeira resposta que deveria ser dada a essa objeção é perguntar onde os erros estão, ou em qual versículo específico ou versículos esses “erros” ocorrem. É surpreendente ver quantas vezes essa objeção é levantada por pessoas que têm pouca ou nenhuma idéia sobre onde os erros específicos estão. Todavia crêem que há erros porque outros disseram que há.
Em outros casos, contudo, alguns mencionam uma ou mais passagens específicas onde, segundo alegam, há uma afirmação falsa na Escritura. Em muitos exemplos, o exame cuidadoso do texto bíblico em si trará à luz uma ou mais soluções possíveis para a dificuldade alegada. Em poucas passagens, nenhuma solução para a dificuldade pode ficar imediatamente evidente da leitura do texto em nossa língua. A essa altura é útil consultar alguns comentários sobre o texto. Há uns poucos textos em que certo conhecimento do hebraico ou grego talvez seja necessário a fim de se encontrar a solução, e quem que não possui acesso de primeira mão a essas línguas terá de encontrar respostas em um comentário mais técnico ou servir-se de alguém que possua treinamento para isso.
Naturalmente, o nosso entendimento da Escritura nunca é perfeito, e isso significa que pode haver casos em que não seremos capazes de encontrar solução para uma passagem difícil no presente momento. Isso é assim porque a evidência lingüística, histórica ou contextual de que precisamos para entender a passagem corretamente ainda é desconhecida para nós. Essa dificuldade em pequeno número de passagens não deve incomodar-nos, desde que o padrão total de nossa investigação dessas passagens mostre que não há, de fato, nenhum dos erros alegados.

Finalmente, a perspectiva histórica sobre essa questão é útil. Não há realmente quaisquer problemas “novos” na Escritura. A Bíblia em sua totalidade tem mais de dezenove séculos, e os pretensos “textos-problema” estavam ali o tempo todo. Todavia, no decorrer de toda a história da igreja há a firme crença na inerrância das Escrituras no sentido em que ela foi definida neste capítulo. Além disso, há centenas de anos estudiosos muito competentes da Bíblia lêem e estudam esses textos-problema e ainda não encontraram dificuldade em sustentar a inerrância. Isso deveria deixar-nos confiantes em que as soluções para esses problemas estão disponíveis e em que a crença na inerrância está totalmente de acordo com a duradoura atenção dedicada ao texto da Escritura.

3. Problemas com a negação da inerrância.

Os problemas que aparecem com a negação da inerrância bíblica são muito significativos e, quando entendemos a magnitude desses problemas, isso nos dá o encorajamento adicional não somente para afirmar a inerrância, mas também para garantir sua importância para a igreja. Alguns dos problemas mais sérios são os listados a seguir:

a.  Se negarmos a inerrância, deparamos com um sério problema moral: Podemos imitar Deus e intencionalmente mentir nas pequenas coisas também? Efésios 5.1 nos diz que sejamos imitadores de Deus. Mas a negação de inerrância que ainda alega que as palavras da Escritura são palavras sopradas por Deus necessariamente leva à conclusão de que Deus intencionalmente falou falsamente para nós em algumas das afirmações menos centrais da Escritura. Mas, se para Deus é correto agir assim, como pode ser errado para nós? Tal linha de raciocínio, se crêssemos nela, exerceria grande pressão sobre nós para que começássemos a falar inverdades em situações onde poderiam parecer de ajuda em nossa comunicação, e assim por diante. Essa posição seria uma ladeira escorregadia com resultados negativos sempre crescentes em nossa vida.

b.        Segundo, se a inerrância é negada, começamos a pensar se realmente podemos confiar em Deus em qualquer coisa que ele venha a dizer.

Uma vez que nos convençamos de que Deus nos falou de maneira falsa em alguns assuntos de menor importância na Escritura, percebemos que Deus é capaz de nos falar falsamente. Isso ocasionará um efeito prejudicial sério sobre a nossa capacidade de levar Deus a sério em sua palavra e confiar nele completamente ou obedecer a ele plenamente no restante da Escritura. Podemos começar a desobedecer inicialmente nas seções da Escritura que menos desejaríamos obedecer, e desconfiar inicialmente das seções nas quais estaríamos menos inclinados a confiar. Mas tal procedimento finalmente se expandirá, para grande prejuízo de nossa vida espiritual.

c.         Terceiro, se negarmos a inerrância, essencialmente faremos da mente o padrão de verdade mais alto que a própria Palavra de Deus.

Usamos nossa mente para estabelecer juízo sobre algumas partes da Palavra de Deus e as pronunciamos como contendo erros. Mas isso é, de fato, dizer que conhecemos a verdade com mais certeza e mais exatidão que a própria Palavra de Deus (ou que Deus), ao menos nessas áreas. Tal procedimento, que torna nossa mente o padrão mais alto de verdade que a Palavra de Deus, é a raiz de todo o pecado intelectual.

d.        Quarto, se negarmos a inerrância, devemos também dizer que a Bíblia esta errada não somente nos detalhes menos importantes, mas igualmente em algumas de suas doutrinas.

A negação da inerrância significa dizermos que o ensino da Bíblia a respeito da natureza da Escritura e a respeito da veracidade e confiabilidade das palavras de Deus também é falso. Esses não são pequenos detalhes, e sim preocupações doutrinárias muito importantes na Escritura.

e. A Palavra de Deus escrita é a nossa autoridade final. É importante perceber que a forma final na qual a Escritura é cheia de autoridade é a forma escrita. Foram as palavras de Deus escritas em tábuas de pedra que Moisés depositou na arca da aliança. Mais tarde, Deus ordenou a Moisés e subseqüentemente aos profetas para escreverem suas palavras em um livro. Foi a Palavra de Deus escrita que Paulo disse ser ”inspirada” (gr. graphē em 2Tm 3.16). Isso é importante porque as pessoas às vezes (de forma intencional ou não) tentam substituir as palavras escritas da Escritura por algum outro padrão final. Por exemplo, elas se referem ao “que Jesus realmente disse” e afirmam que, quando traduzimos as palavras gregas dos evangelhos para a língua aramaica que Jesus falou, podemos obter entendimento melhor das palavras de Jesus do que foi dado pelos escritores dos evangelhos. Em outros casos, há quem alegue conhecer ”o que Paulo realmente pensava” mesmo quando esse conhecimento é diferente do significado das palavras que ele escreveu. Ou falam do “que Paulo teria dito se ele tivesse sido coerente com o restante de sua teologia”. De modo semelhante, outras pessoas falam da “situação da igreja à qual Mateus está escrevendo” e tentam dar força normativa tanto para essa situação como para a solução que pensam que Mateus estava tentando produzir nessa situação.

Em todos esses exemplos, devemos admitir que perguntar a respeito das palavras ou situações que estão por trás do texto da Escritura pode, às vezes, ser útil para nós no entendimento do que o texto significa. Não obstante, nossas reconstruções hipotéticas dessas palavras ou situações podem nunca substituir ou competir com a própria Escritura como a autoridade final, nem devemos permitir que contradigam ou levantem dúvidas sobre a exatidão de qualquer das palavras da Escritura. Devemos continuamente relembrar que temos na Bíblia as verdadeiras palavras de Deus, e não podemos tentar “melhorá-las” de algum modo, pois isso não pode ser feito. Ao contrário, devemos procurar entendê-las e, então, confiar nelas e obedecer a elas de todo o nosso coração.

Embora as posições indesejáveis listadas acima estejam logicamente relacionadas à negação da inerrância, uma Palavra de advertência se faz necessária: nem todos que negam a inerrância adotarão também as conclusões indesejáveis mencionadas. Algumas pessoas (provavelmente de modo incoerente) negarão a inerrância, mas não caminharão para esses passos lógicos. Em debates sobre a inerrância, como em outras discussões teológicas, é importante que critiquemos as pessoas com base nas idéias que elas realmente sustentam e que distingamos claramente essas idéias das posições que pensamos que elas sustentam, para ver se estas estão de acordo com as próprias idéias afirmadas.

Autor:  Wayne Grudem.
Fonte: Teologia Sistemática do autor, Ed. Vida Nova. Compre este livro em
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A Interpretação da Bíblia
At  15.15,16; Ef 4.11-16; 2 Pe 1.16-21; 2 Pe 3.14-18

Qualquer documento escrito, para poder ser compreendido, precisa ser interpretado. Nosso país possui indivíduos altamente capacitados, cuja tarefa diária é interpretar a Constituição. Eles forma o Supremo Tribunal Federal. Interpretar a Bíblia é uma tarefa muito mais solene do que interpretar a Constituição de um país. Requer grande cuidado e diligência.

A Bíblia é o seu próprio Supremo Tribunal. A regra principal de interpretação bíblica é: "A Bíblia é sua própria intérprete". Esse princípio significa que a Bíblia deve ser interpretada pela própria Bíblia. O que é obscuro em uma parte da Bíblia pode ser esclarecido em outra parte. Interpretar a Bíblia pela Bíblia significa que não devemos colocar uma passagem contra outra. Cada texto deve ser entendido não somente à luz do seu contexto imediato, mas também à luz do contexto  da Bíblia como um todo.

Além disso, entendido adequadamente, o único método legítimo e válido de interpretação da Bíblia é o da interpretação literal. Existe, contudo, muita confusão a respeito dessa idéia de interpretação. Interpretação literal, estritamente falando, significa que devemos interpretar a Bíblica assim como está escrito. Um substantivo é interpretado como substantivo e um verbo, como um verbo. Quer dizer que todas as formas usadas na redação da Bíblia devem ser interpretadas de acordo com as regras normais que regem tais formas. Poesia deve ser tratada como poesia. Relatos históricos devem ser tratados com História. Parábolas como parábolas, hipérboles como hipérboles, e assim por diante,.

Nesse aspecto, a Bíblia deve ser interpretada de acordo com as regras que governam a interpretação de qualquer outro livro. Em algumas de suas características, a Bíblia é diferente de qualquer outro livro que já foi escrito. Em termos de interpretação, entretanto, deve ser tratada como qualquer outro livro.

A Bíblia não deve ser interpretada de acordo com nossos próprios desejos e preconceitos. Devemos buscar entender o que ele de fato diz e nos guardarmos de forçar nossos próprios pontos de vista sobre ela. Este é o passatempo dos hereges: buscar base bíblica para doutrinas falsas que não têm base no texto. O próprio Satanás citou as Escrituras de maneira ilegítima, num esforço para seduzir Jesus Cristo a pecar (Mt 4.1-11).

A mensagem da Bíblia é simples e clara o suficiente para que até uma criança possa entender. Mesmo assim, p "alimento sólido" da Bíblia requer estudos e atenção cuidadosos para ser entendido adequadamente. Algumas questões tratadas na Bíblia são tão complexas e profundas que mantêm os maiores eruditos constantemente envolvidos nos esforço de resolvê-las.

Existem alguns princípios de interpretação que são básicos para todo estudo saudável da Bíblia. Incluem o seguinte:

(1) As narrativas devem ser interpretadas à luz das passagens de "ensino". Por exemplo, a história de Abraão oferecendo Isaque no Monte Moriá pode sugerir que Deus não sabia que Abraão tinha uma fé genuína. As passagens didáticas da Bíblia, porém, deixam claro que Deus é onisciente;

(2) aquilo que é implícito sempre deve ser interpretado à Luz do que é explícito; nunca deve ser o contrário. Isto é, se um texto específico parece ter uma idéia ou lição implícita, não devemos aceitar a implicação como correta se for contrária a algo que é declarado explicitamente em outro lugar da Bíblia;

(3) as leis da lógica governam a interpretação da Bíblia. Por exemplo, se sabemos que todos os gatos têm cauda, não podemos deduzir que alguns gatos não têm. Se é verdadeiro que alguns gatos não têm cauda, então não pode ser  verdade que todos os gatos têm. Isso não é apenas uma questão de leis  técnicas de inferência; é uma questão de senso comum.

Mesmo assim, a grande maioria das interpretações equivocas da Bíblia é causada por deduções ilegítimas extraídas da Bíblia.

Sumário

1. A Bíblia é sua própria intérprete.

2. Devemos interpretar a Bíblia literalmente - assim com está escrito.

3. A Bíblia deve ser interpretada como qualquer outro livro.

4. Partes obscuras da Bíblia devem ser interpretadas pelas partes mais claras.

5. O implícito deve ser interpretado à luz do explícito.

6. As leis da lógica governa aquilo que pode ser racionalmente deduzido da Bíblia.

Autor:  R. C. Sproul
Fonte: 1º Caderno Verdades Essenciais da Fé Cristã – R.C.Sproul. Editora Cultura Cristã. Compre este livro em
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A interpretação pessoal 
Ne 8.8; 2 Tm 2.15; 2 Tm 3.14-17; Hb1.1-4; 2 Pe 1.20,21

Dois dos grandes legados que recebemos da Reforma foram o princípio da interpretação pessoal da Bíblia e a sua tradução a língua do povo. O próprio Lutero colocou em foco essas questões. Quando se apresentou diante da Dieta de Worms (um concílio no qual foi acusado de heresia por causa de seus ensinamentos), ele declarou:

"A menos que eu seja convencido pela Escritura, minha consciência continuará cativa da Palavra de Deus - não aceito a autoridade de papas e concílios, porque se têm contraditado. Não posso nem quero retratar-me, porque ir contra a consciência não é certo nem seguro. Que Deus me ajude. Amém."

A declaração de Lutero, e sua subseqüente tradução da Bíblia para sua língua vernácula (do próprio País), tiveram dois efeitos. Primeiro, tirou da Igreja Católica Romana o direito  exclusivo de interpretação. O povo não mais ficaria à mercê das doutrinas da igreja, tendo de aceitar as tradições ou ensinos eclesiásticos como tendo autoridade igual à da Palavra de deus. Segundo, colocou a interpretação nas mãos do povo. Essa mudança foi mais problemática. Levou aos mesmos excessos sobre os quais a Igreja Romana estava envolvida - interpretações *subjetivas do texto que levam ao afastamento da fé cristã histórica.

O *subjetivismo tem sido o grande perigo da interpretação pessoal. O princípio da interpretação pessoal não significa que o povo de Deus tenha o direito de interpretar a Bíblia da maneira que bem entender. Juntamente com o "direito" de interpretar as Escrituras vem também a responsabilidade de interpretá-la corretamente. Os crentes têm liberdade de descobrir as verdades da Escrituras, mas não são livres para fabricar suas próprias verdades. São chamados para entender os sólidos princípios de interpretação e evitar os perigos do subjetivismo.

Portanto, buscar um entendimento objetivo das Escrituras de maneira nenhuma reduz a Bíblia a algo frio, abstrato e sem vida. O que estamos fazendo é buscar entender o que a Palavra diz em sus contexto antes de prosseguirmos para a tarefa igualmente necessária de aplicá-la à nossa vida. Uma declaração em particular pode ter numerosas aplicações pessoais possíveis, mas só pode ter um único significado correto. O direito de interpretar a Bíblia leva junto consigo a obrigação de interpretá-la com exatidão. A Bíblia não é um "nariz de cera" que pode ser moldado e assumir a forma desejada pelo intérprete.

Sumário

1. A Reforma deu à Igreja uma tradução da Bíblia na língua comum e a cada crente o direito e a responsabilidade de interpretar a Bíblia pessoalmente.

2. A tradição da igreja, embora seja instrutiva como um guia, não tem autoridade igual à da Bíblia.

3. A interpretação pessoal não equivale a uma licença para o subjetivismo.

4. O princípio da interpretação pessoal leva consigo a obrigação de buscar a interpretação correta da Bíblia.

5. Embora cada texto bíblico tenha múltiplas aplicações, ele tem um único significado correto.

* Interpretação subjetiva é há interpretação individual, pessoal, particular. Não se baseia unicamente nos textos das Escrituras Sagradas, mas na própria mente do indivíduo.

Autor:  R. C. Sproul
Fonte: 1º Caderno Verdades Essenciais da Fé Cristã – R.C.Sproul. Editora Cultura Cristã. Compre este livro em
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O Cânon das Escrituras
Lc 24.44,45; 1 Co 15.3-8; 2 Tm 3.16,17; 2 Pe 1.19-21; 2 Pe 3.14-16

Geralmente pensamos na Bíblia como um livro grande.Na verdade, trata-se de uma pequena biblioteca composta de 66 livros individuais. Juntos, tais livros compõem o que chamamos cânon da Escritura Sagrada. O termo cânon deriva-se de uma palavra grega que significa "vara de medir", "padrão", ou "norma". Historicamente, a Bíblia tem sido a regra autoritativa de fé e prática na Igreja.

Com referência aos livros que compões o Novo Testamento, existe completo acordo entre católicos e protestantes. Existe, entretanto, forte divergência entre os dois grupos sobre o que deveria ser incluído no Antigo Testamento. Os católicos romanos consideram os livros chamados apócrifos como sendo canônicos, enquanto o protestantismo histórico não os considera. (Os livros apócrifos foram escritos depois que o Antigo Testamento já estava completo e antes que começasse o Novo Testamento.) O debate concernente aos apócrifos concentra-se na questão mais ampla do que era considerado canônico pela comunidade judaica. Existem fortes evidências de que era considerado canônico pela comunidade judaica. Existem fortes evidências de que os apócrifos não eram incluídos no cânon palestino dos judeus. Por outro lado, tudo indica que os judeus que viviam no Egito teriam incluído tais livros (traduzidos para o grego) no cânon alexandrino. Evidências recentes, entretanto, laçam dúvidas sobre isso.

Alguns críticos da Bíblia argumentam que a Igreja não tinha a Bíblia como tal até quase o início do quinto sáculo. Isso, porém, é uma distorção de todo o processo do desenvolvimento canônico. A igreja reuniu-se em concílio em várias ocasiões nos primeiros séculos para decidir as disputas sobre quais livros pertenciam propriamente ao cânon. O primeiro cânon formal do Novo Testamento foi criado pelo herege Marcião, o qual produziu sua própria versão expurgada da Bíblia. Para combatê-lo, a Igreja descobriu que era preciso declarar qual o conteúdo exato do Novo Testamento.

Embora a grande maioria dos livros que atualmente se acham incluídos no Novo Testamento claramente funcionava com autoridade canônica desde que foram escritos, houve alguns poucos livros cuja inclusão no cânon do Novo Testamento foi muito debatida. Esses livros incluíam Hebreus, Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 João, Judas e Apocalipse.

Houve também vários livros que disputavam a condição de canônicos, mas que não foram incluídos. A maioria esmagadora desses livros compunha-se de obras espúrias escritas por hereges gnósticos do século II. Tais livros nunca receberam uma consideração séria. (Esse ponto é menosprezado pelos críticos que alegam que mais do dois mil volumes resultaram numa lista de 27. Daí eles perguntam: "Quais são as probabilidades de que os 27 selecionados sejam os corretos?" De fato, apenas dois ou três livros que não foram incluídos no cânon foram levados em consideração. Foram estes: 1 Clemente, O Pastor de Hermas e O Didaquê. Estes livros não foram incluídos no cânon das Escrituras porque não foram escritos por apóstolos e os próprios autores reconheceram que a autoridade deles estava subordinada aos apóstolos.

Alguns cristãos ficam preocupados com o fato de que houve um processo de seleção histórica. Ficam perturbados com a dúvida: "Como podemos saber que o cânon do Novo Testamento inclui os livros certos?" A teologia tradicional católica romana responde a essa pergunta apelando para a infabilidade da igreja. A igreja então é vista com "criadora" do cânon, tendo, portanto, a mesma autoridade que a própria Bíblia. O protestantismo clássico nega que a igreja seja infalível e também  que ela "tenha criado" o cânon. A diferença entre o catolicismo romano e o protestantismo pode ser resumida da seguinte maneira:

Visão do Catolicismo Romano:
O Cânon é uma coleção infalível de livros infalíveis.

Visão do Protestantismo Clássico:
O Cânon é uma coleção falível de livros infalíveis.

Visão dos Críticos Liberais:
O Cânon é uma coleção falível de livros falíveis.

Embora os protestantes creiam que Deus teve um cuidado especial e providencial para assegurar que os livros certos fossem incluídos, nem por isso consideram que ele tenha tornado a igreja infalível. Os protestantes também lembram aos católicos romanos que a igreja não "criou" o cânon. A igreja identificou, reconheceu, recebeu e se submeteu ao cânon das Escrituras. O termo usado pela igreja em Concílio foi "recipimus", que significamos “nós recebemos".

Qual foi o critério de avaliação dos livros? As assim chamadas marcas de canonicidade incluíam o seguinte:

1. Tinham de ter autoria ou endosso apostólico;

2. Tinham de ser recebidos como autoritativos pela igreja primitiva;

3. Tinham de estar em harmonia com os livros a respeito dos quais não havia dúvida.

Embora numa época de sua vida Martinho Lutero tenha questionado a canocidade de Thiago, posteriormente mudou de opinião. Não existe nenhuma razão séria para se ter um mínimo de dúvida de que os livros atualmente incluídos no cânon do Novo Testamento não sejam os verdadeiros.

Sumário

1. O termo cânon deriva-se do grego e significa "norma" ou "padrão". O cânon é usado para descrever a lista autoritativa de livros que a igreja reconheceu como Escrituras Sagradas, e portanto sua "regra" de fé e prática.

2. Além dos 66 livros da Bíblia aceitos pelos protestantes, os católicos romanos também aceitam os Livros Apócrifos como Escrituras autoritativa.

3. Para combater as heresias, a Igreja descobriu que era preciso declarar quais livros tinham sido reconhecidos como sendo autoritativos.

4. Existem alguns livros no cânon que foram assuntos de debate (Hebreus, Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 João, Judas e Apocalipse) e alguns livros cuja inclusão foi considerada, mas que não foram admitidos no cânon, incluindo 1 Clemente, O Pastor de Hermas e O Didaquê.

5. A Igreja não criou o Cânon, mas apenas reconheceu os livros que tinham as marcas de canonicidade e que portanto tinham autoridade na Igreja.

6. As marcas de canonicidade incluíam: (a) autoridade ou endosso apostólico; (2) autoridade reconhecida na Igreja primitiva e (3) estar em harmonia com os livros que já faziam parte inquestionável do cânon.

Autor:  R. C. Sproul
Fonte: 1º Caderno Verdades Essenciais da Fé Cristã – R.C.Sproul. Editora Cultura Cristã. Compre este livro em
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A Palavra sob Ataque

Satanás foi historicamente o primeiro a lançar dúvidas quanto à Palavra de Deus. A partir daí, ainda que sem admitir, na prática todos somos conduzidos, de uma forma ou de outra, a duvidar do que Deus disse. Como? Quando, por exemplo, não consideramos os seus ensinamentos em nossa conduta e decisões. Chamo isso de negação existencial da Palavra ou ateísmo prática. Vejamos como Satanás agiu e ainda age no que se refere à Palavra de Deus:

A.  Deturpando a Palavra

Há muitas pessoas que sabem citar de memória, com grande facilidade, trechos das Escrituras. Algumas dessas pessoas fazem isso fora de contexto. Foi precisamente assim que Satanás fez com Eva e agiu do mesmo modo com Cristo, no deserto.
No livro de Gênesis, encontramos o registro da ordem de Deus dada a Adão: “De toda árvore comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2.16,17). Quando Satanás se depara com uma ocasião propícia para os seus intentos, diz a Eva: “É assim que Deus disse: Não comerás de toda árvore do jardim?... É certo que não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele [fruto] comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal” (Gn 3.1,4,5). Com Jesus, Satanás tenta fazer a mesma coisa (Mt 4.1-11), citando o Salmo 91.11,12, para que ele, cedendo à tentação, disse algo como: “Eu sou o filho de Deus e vou provar isso”.

Ao longo da História, esta tem sido uma das estratégias preferidas de Satanás: deturpar a Palavra de Deus. Quantas heresias surgiram e continuam surgindo, supostamente baseadas em textos bíblicos? O homem moderno, falando da possibilidade de “uma leitura deferente das Escrituras”, tem ensinado aberrações antibíblica.

A maior parte das heresias tem em sua esfera trechos isolados das Escrituras que parecem ensinar algo de novo e arrebatador, ainda não percebido antes. No entanto, quando vamos analisar o fundamento dessas “interpretações” percebemos o quão deferente é da verdade bíblica. Há pessoas que negam a divindade de Cristo pela Bíblia; outros que fundamentam o adultério, a poligamia, o espiritismo, a adoração de anjos, homossexualismo, etc. para todos esses erros a Bíblia é usada como fundamento.
Precisamos estar vigilantes para que não sejamos seduzidos pela astúcia do inimigo que sabe agir com sutileza.

B.  Insinuando

Satanás não diz diretamente algo a nós, mas dá a entender, induz, sugere uma idéia. Ele nos faz pensar de uma forma equivocada, dando-nos a impressão de que agora, de fato, descobrimos a verdade.
A Eva, ele diz: “É assim que Deus disse: não comereis de toda árvore do jardim?” (Gn 3.1). Ora, Deus não tinha dito isso; ao contrário; de toda a árvore o homem poderia comer exceto uma: a árvore do conhecimento do bem e do mal.  No entanto, usando palavras semelhantes, ele diz coisas bem diferentes. Em sua insinuação havia a tentativa de dizer que deus era mentiroso e, portanto, não deveria ser obedecido. Eva cedeu; duvidou da Palavra de Deus.

A Jesus, com fome no deserto, ele usa da mesma estratégia, dizendo: “Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pão” (Mt 4.3). O seu desejo é fazer com que Jesus duvide da sua filiação divina, ou que tente prová-la, sucumbindo à tentação. Aliás, este foi um desafio comum a Jesus Cristo: usar do seu poder eterno para fazer o que desejava. Mas ele permaneceu fiel em tudo (Mt 26.29; Jo 8.28, 29, 42; 17.1-6).

Não satisfeito com a resposta de Jesus, Satanás continua: “Se és Filho de Deus, atira-te abaixo, porque está escrito: Aos seus anjos ordenará a teu respeito; que te guardem; e: Eles te susterão nas suas mãos, para não tropeçares  nalguma pedra” (Mt 4.6).
Mais tarde, na sua crucificação , o mesmo tipo de tentação é feito ao Senhor Jesus (Mt 27.38-43; 15.30-32).

Na insinuação diabólica há sempre uma tentativa de mostrar que o nosso caminho, a nossa opção é a melhor; a sua proposta sempre parecerá ser mais lógica e atraente. A desobediência a Deus é, com freqüência, o caminho que nos parece mais objetivo e prático, além de encontrarmos uma inclinação natural para ele. No entanto, a vontade de Deus para nós é que resistamos a estas tentações e continuemos crendo em Deus e na sua Palavra, seguindo a rota proposta; o caminho de vida por ele traçando por nós.

C.  Lançando dúvidas

Antes de prosseguirmos nesse estudo, é necessário dizer que a dúvida não é necessariamente má; é preciso que cultivemos uma boa dose de dúvida, ou critérios, para que não sejamos conduzidos a qualquer crendice.

Satanás procura tirar a certeza que temos da Palavra de deus, para vacilar-nos em nossa fé, abrindo uma brecha para a sua ação mais efetiva.

A recomendação bíblica é resistir ao maligno, porque o resto Satanás deixa por nossa c0nta, deixa que a nossa imaginação pecaminosa fermente a sua insinuação, adicionando outros elementos no decorrer do tempo. O diabo conhece as fraquezas e os deslizes de cada um. Ele sabe onde afetar e onde sustentar desejos pecaminosos. Mas a grande verdade é que quando alguém cai, o pecado cometido não é cobrado de Satanás, mas da pessoa que se deixou seduzir, bem como Adão e Eva tiveram a merecida punição de sua desobediência.
Outra dúvida que ele lançou foi a Pedro. Jesus, quando declarou que sofreria muitas coisas, até que fosse morto e ressuscitasse, Pedro, que acabara de confessar ser Jesus Cristo, é usado por Satanás para lançar dúvidas na dolorosa, porem verdadeira certeza que Cristo tinha (Mt 16.22,23).

Percebam a astúcia de Satanás, como ele age: Jesus começou naquele momento a falar aos seus discípulos dos seus sofrimentos futuros, morte e ressurreição e Satanás, em ato contínuo, usa justamente a Pedro, aquele que confessara o seu senhorio, para tentá-lo.

A palavra de Pedro pareciam encorajadoras e consoladores, mas Jesus detectou o mal que estava por trás delas e afastou de si a tentação de não seguir em frente com a missão salvadora, porém externamente dolorosa e devastadora.

A ousadia de Satanás nesse episódio é tremendamente eloqüente. Cristo o repreendeu, não se deixando conduzir por esta ação maligna.

"Desde então começou Jesus Cristo a mostrar aos seus discípulos que era necessário que ele fosse a Jerusalém, que padecesse muitas coisas dos anciãos, dos principais sacerdotes, e dos escribas, que fosse morto, e que ao terceiro dia ressuscitasse.E Pedro, tomando-o à parte, começou a repreendê-lo, dizendo: Tenha Deus compaixão de ti, Senhor; isso de modo nenhum te acontecerá. Ele, porém, voltando-se, disse a Pedro: Para trás de mim, Satanás, que me serves de escândalo; porque não estás pensando nas coisas que são de Deus, mas sim nas que são dos homens." (Mt 16.21-23)

Autor: Herminsten Maia Pereira da Costa
Fonte: Revista Expressão, Século 21 – Atualidades, A igreja em seu contexto, Lição 6, pg. 26-28, Ed. Cep. Compre esta revista trimestra em
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Livre exame e livre interpretação

Tradição, Confissão e a Supremacia das Escrituras

O erudito evangélico Grescham Machen (1881-1937), asseverou em 1921: “A Reforma do século 16 foi baseada na autoridade da Bíblia e ... colocou o mundo em chamas” [1]. Ele estava certo. A Reforma não somente retomou o estudo e o ensino das Escrituras, como também recuperou a antiga e esquecida forma de lê-la, abrindo o seu estudo para todos. Com isso, iniciando com uma reforma espiritual, ela gerou uma revolução em todas as áreas do saber. Vejamos alguns aspectos disso.

I.  Tradição e Escrituras.

A. A redescoberta da interpretação bíblica

Na Reforma Protestante do século 16, sustentando o princípio do “livre exame” das Escrituras, deu-se uma mudança de quadro de referência. Um dos pelares fundamentais é a questão hermenêutica da tradição da igreja para a compreensão da Palavra. Há uma mudança de critério de verdade que determina toda a diferença.

Conforme acentua Popkin, Lutero inicialmente confrontou a igreja dentro da perspectiva da própria tradição da igreja, somente mais tarde é que ele: “deu um passo crítico que foi negar a regra de fé da Igreja, apresentando um critério de conhecimento religiosos totalmente diferente. Foi neste período que ele deixou de ser apenas mais um reformador atacando os abusos e a corrupção de uma burocracia decadente, para tornar-se o  líder de uma revolta intelectual que viria a abalar os próprios fundamentos da civilização ocidental”[2].

Partindo desses princípios, a Reforma, onde quer que chegasse, se preocupava em colocar a Bíblia na língua do povo, a fim de que todos tivessem acesso à leitura – sendo o “reavivamento” da pregação da Palavra um dos marcos fundamentais da Reforma.

Os Reformadores criam que se as Escrituras estivessem numa língua acessível aos povos, todos os que quisessem poderiam ouvir a voz de Deus, e todos os crentes teriam acesso à presença de Deus. Contudo, os reformadores esbarraram com um problema estrutural: o analfabetismo. A socialização do saber acabou sendo também um produto da Reforma. As pessoas deveriam ser alfabetizadas para ler as Escrituras, daí a grande reforma educacional gerada pelo protestantismo.

B. “Sola Scriptura” x tradição?

A tradição nunca foi rejeitada pelo simples fato de ser tradição. Na própria Escritura encontramos ênfase a crítica à tradição (2 Ts 2.15). A questão básica é:  a que tradição estamos nos referindo? Sproul explica: “Lutero e os reformadores não queriam dizer por Sola Scriptura que a Bíblia é a única autoridade da igreja. Pelo contrário, queriam dizer que a Bíblia é a única autoridade infalível dentro da Igreja” [3]. A autoridade dos Credos (Apostólicos, Nicéia, Calcedônia) era indiscutivelmente considerada pelos reformadores – tendo inclusive Lutero [O Catecismo Maior  (1529) e O Catecismo Menor (1529)] e Calvino [Catecismo de Genebra (1536/37 e 1541/2) e Confissão Gaulesa (1559)] elaborado Catecismos para igreja [4].

Para nós os Credos servem para que continuemos nossa caminhada na preservação da doutrina e na aplicação das verdades bíblicas aos novos desafios de nossa geração, integrando-nos assim, à nobre sucessão daqueles que amam a Deus e à sua Palavra e que buscam entendê-la e aplicá-la, em submissão ao Espírito, à vida da igreja.

Uma tradição saudável tem compromisso com o passado na geração do futuro. Só este fato deveria, por si só, nos conduzir a uma atitude mais humilde, como assinala Noll: “ O Estudo da história da igreja deve aumentar a nossa humildade sobre quem somos e aquilo em que cremos. Não há nada que a igreja moderna desfrute que na seja uma dádiva das gerações anteriores do povo de Deus. Na realidade, nós modificamos, adaptamos e ampliamos essas dádivas do passado, mas não as criamos” [5]. Portanto, “o conservadorismo criativo utiliza-se da tradição, não como autoridade final ou absoluta, mas como recurso importante colocado à nossa disposição pela providência de Deus, a fim de nos ajudar a entender o que a Escritura está nos dizendo sobre quem é Deus, quem somos nós, o que é o mundo ao nosso redor, e o que fomos chamados para fazer aqui e agora” [6].

O Credo é uma resposta do homem à Palavra de Deus, sumariando os artigos essenciais da fé cristã. Dessa forma, eles pressupõem fé; mas não a geram. Isso é obra do Espírito Santo através da palavra (Rm 10.17). Os credos têm a sua autoridade decorrente das Escrituras.

Os credos são somente uma aproximação e uma relativa exposição da verdade revelada. Dessa forma, podem ser modificados pelo progressivo conhecimento da Bíblia a qual é infalível e inesgotável.

Não devemos tomar os Credos como autoridade final para definir um ponto doutrinário: os limites de nossa reflexão teológica estão na Bíblia, não nos Credos. Os Credos não estabelecem o limite de nossa fé, antes a norteiam.

2. O valor da Confissão de Fé de Westminster

A Confissão de Fé de Westminster (1647) [7],  apresenta-nos um bom resumo dos princípios hermenêuticos que nos orientam na interpretação das Escrituras. Vejamos alguns pressupostos:

a) Que as Escrituras são inspiradas por Deus (CFW, I.2,8). Ele é o seu Autor (CFW, I.4);

b) Deus concedeu as Escrituras para serem a regra de fé e de prática (CFW, I.1-2);

c) Ela é indispensável para a vida cristã (CFW, I.1), devendo ser lida e estudada no temor de Deus (CFW, 1.8). Por isso, a igreja deve promover a sua tradução para todos os idiomas, a fim de que o homem possa conhecer a Deus, adorando-o de forma aceitável, bem como usufruir as bênçãos espirituais decorrentes da compreensão das Escrituras (CFW, I.8).

3. A Autoridade das Escrituras

A. Autoridade interna

“A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus (a mesma verdade) que é o seu autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a palavra de Deus. II Tim. 3:16; I João 5:9, I Tess. 2:13.”  (CFW I.4)

A autoridade da Bíblia deriva do fato dela ser a Palavra de Deus. O seu testemunho é interno e evidente, mesmo que os homens assim não creiam. Ela não depende do nosso testemunho para ter autoridade; ela é o que é (1Ts 2.13; 2 Tm 3.16; 2 Pe 1.20,21; 1 Jo 5.9).

Não é a igreja que autentica a Palavra por sua interpretação, como a igreja romana sustentou em diversas ocasiões. É a Bíblia que se autentica a si mesma como Palavra de Deus possuidora de autoridade e é ele mesmo quem nos ilumina para que a interpretemos corretamente (Sl 119.18). Por isso, o Espírito não pode ser separado da Palavra. Somente pela operação divina poderemos reconhecer a sua origem divina bem como compreendê-la salvadoramente. (CFW, I.5,6).

Cabe nós submeter o nosso juízo e entendimento à verdade de Deus conforme testemunhada pelo Espírito. A Palavra de Deus direcionada ao homem revela a seriedade com que Deus nos trata: “Sempre que o Senhor se nos acerca com sua Palavra, Ele está tratando conosco da forma mais séria, com o fim de mover todos os nossos sentidos mais profundos. Portanto, não há parte de nossa alma que não receba sua influência”. [8].

B. Autoridade hermenêutica

A Bíblia apresenta a melhor interpretação a respeito dos seus ensinamentos: “A regra infalível de interpretação da Escritura é a mesma Escritura; portanto, quando houver questão sobre o verdadeiro e pleno sentido de qualquer texto da Escritura (sentido que não é múltiplo, mas único), esse texto pode ser estudado e compreendido por outros textos que falem mais claramente. At. 15: 15; João 5:46; II Ped. 1:20-21.” (CFW, 1.9).

Nós não podemos criar uma suposta categoria científica a qual se torne a verinha de condão para a interpretação da Bíblia. Os princípios hermenêuticos devem estar subordinados a esta verdade e, devem ser derivados, portanto, da própria Bíblia: a harmonia do seu todo e das suas partes estabelecem uma unidade harmoniosa, por meio da qual, formulamos os princípios de interpretação, tendo como mestres, os profetas – que interpretaram os acontecimentos passados e a história dos seus dias -, Jesus Cristo e os apóstolos, os quais deram lições práticas de hermenêutica, interpretando o Antigo e o Novo Testamentos: “Os crentes possuem um padrão permanente e um modelo no uso que nosso Senhor fez do Antigo Testamento, e uma parte do atual trabalho do Espírito Santo no tocante aos crentes é abrir-lhes as Escrituras, conforme o Cristo ressurreto as abriu para os dois discípulos no caminho para Emaús (Lc 24.25ss)” [9].

Quando nos aproximamos da Bíblia partimos do pressuposto de que ele é o registro fiel e inerrante da Revelação de Deus (Jo 10.35; 1Tm 1.15; 3.1; 4.9; 2Tm 3.16; 2Pe 1.20,21); por isso, podemos dizer como Paulo: “Fiel é a Palavra” (1 Tm 3.1; 4.9).

É por meio das Escrituras que aprendemos que o melhor intérprete da Palavra é o Espírito falando na Escritura (CFW, 1.10; veja Mt 22.29,31; At 4.24-26; 28.25; 1 Co 2.10-16); como nos instruiu o Senhor Jesus Cristo: “Quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará as cousas que há de vir” (Jo 16.13). “Mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as cousas e vos farpa lembrar de tudo o que vos tenho dito” (Jo 14.26; Jo 5.30; 14.6; 17.17).

C. Autoridade auxiliadora

“Sob o nome de Escritura Sagrada, ou Palavra de Deus escrita, incluem-se agora todos os livros do Velho e do Novo Testamento, que são os seguintes, todos dados por inspiração de Deus para serem a regra de fé e de prática...” (CFW, I.2).

Como bem sabemos, a Escritura é infalível, não a nossa interpretação, portanto, devemos buscar sempre nas Escrituras o sentido pleno da revelação. A Teologia é uma reflexão interpretativa e sistematizada da Palavra de Deus. Não existe teologia inspirada por Deus. A relevância de nossa formulação não dependerá de sua “beleza”, “popularidade” ou “significado para o homem moderno”, mas sim na sua conformação às Escrituras.

O mérito de toda teologia está nos seu apego incondicional e irrestrito à Revelação. A melhor interpretação é a que expressa o sentido do texto à luz de toda a Escritura, ou seja, em conexão com toda a verdade revelada.  Não há nada mais edificante e  prático do que a verdade de Deus.

A Teologia Reformada é uma reflexão baseada na Palavra em submissão ao Espírito, buscando sempre uma compreensão exata do que Deus revelou e inspirou e que, agora, nos ilumina pelo mesmo Espírito (Ef 1.15-21; Sl 119.18).

A Teologia Reformada reconhece a centralidade real de Deus em todas as coisas, tendo como alvo principal, não  tão decantado bem-estar humano – que por certo tem a sua relevância-, mas a glória de Deus, sabendo que as demais coisas serão acrescentadas (Mt 6.33; Ef 1.11,12).

É a Palavra de Deus que deve dirigir toda a nossa abordagem e interpretação teologia, bem como de toda a nossa compreensão da realidade.

D. Autoridade para nos conduzir a Deus

“Ainda que a luz da natureza e as obras da criação e da providência de tal modo manifestem a bondade, a sabedoria e o poder de Deus, que os homens ficam inescusáveis, contudo não são suficientes para dar aquele conhecimento de Deus e da sua vontade necessário para a salvação; por isso foi o Senhor servido, em diversos tempos e diferentes modos, revelar-se e declarar à sua Igreja aquela sua vontade; ... foi igualmente servido fazê-la escrever toda.” (CFW I.1).

“A própria luz da natureza no espírito do homem e as obras de Deus claramente manifestam que existe um Deus; porém só a sua Palavra e o seu Espírito o revelam de um modo suficiente e eficazmente aos homens para a sua salvação” (Catecismo Maior de Westminster, resposta à pergunta 2).

Entendemos que sem as Escrituras não podemos ter um conhecimento correto e salvador de Jesus Cristo (Jo 5.39; Rm 10.17), como bem observou Calvino (1509-1564): “Ora, já que, em razão de sua obtusidade, de modo nenhum pode a mente humana chegar até Deus, salvo se assistida e sustentada por sua Sagrada Palavra” [10].

Todavia, também, sabemos que este conhecimento não deve ter um fim em si mesmo; a revelação foi-nos dada para nos conduzir a Deus (Jo 5.39,40), adorando-o na liberdade do Espírito  e nos parâmetros da Palavra.  Sem as Escrituras, Cristo não pode ser conhecido salvadoramente. O Conhecimento de Cristo deve implicar sempre na sua adoração.

E. Autoridade para julgar a nossa teologia

“O Velho Testamento em Hebraico... e o Novo Testamento em Grego... sendo inspirados imediatamente por Deus e pelo seu singular cuidado e providência conservados puros em todos os séculos, são por isso autênticos e assim em todas as controvérsias religiosas a Igreja deve apelar para eles como para um supremo tribunal..." (CFW, I.8)

“...o Juiz Supremo em cuja sentença nos devemos firmar não pode ser outro senão o Espírito Santo falando na Escritura” (CFW, I.10)

O valor da teologia estará sempre subordinado à sua fidelidade bíblica. Por isso é que a teologia ou é bíblica ou não é teologia. Não julgamos a Bíblia; ela que julga. O Espírito falando por meio da palavra, é fogo depurador da genuína teologia.

F. Autoridade completa

“Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela. (CFW, I.6)”

A Escritura é a revelação completa de Deus; tudo o que Deus quer que saibamos a respeito da nossa salvação está registrado de forma explícita (CFW I,1.7) A demais verdades reveladas, que precisam ser obedecidas, criadas e observadas para a salvação podem ser compreendidas por meio de uma interpretação lógica, amparada no conjunto de ensinamentos bíblicos. (CFW, I.6).

G. Autoridade escrita final

“...À Escritura nada se acrescentará em tempo algum, nem por novas revelações do Espírito, nem por tradições dos homens...” (CFW, I.6)

Entendemos que os 66 livros canônicos encontra-se a revelação escrita de Deus, registra de forma inerrante.  À Bíblia, não se fará nenhum acréscimo,  correção ou eliminação (Dt 4.2; 12.32; Mt 5.18; Ap 22.18,19). Ela é a palavra final de Deus, no que se refere à sua vontade para nós. A Revelação é completa – atingindo tudo o que Deus deseja -, e final: permanece para sempre.

O que afirmamos, exclui o obviamente, a aceitação dos apócrifos (CFW, I.3), as supostas revelações complementares, as interpretações “oficiais” (CFW, I.4) e a tradição verbal ou escrita (como no caso da igreja romana).

Daqui concluímos que o nosso sistema doutrinário deve permanecer sempre aberto a um reestudo das Escrituras. O nosso sistema doutrinário, por melhor que seja - e eu estou convencido de que é -, não pode ser mais rico do que a Palavra de Deus. Por isso, o critério último de análise, será sempre O Espírito Santo falando nas Escrituras (CFW, I.10).

Conclusão

Como vimos, a Escritura é a melhor intérprete de si mesma. Como “norma da fé” a Escritura é o crivo pelo qual toda doutrina ou mesmo profecia deve ser analisada. DA própria Escritura procedem os princípios de interpretação e  os termos empregados.

Isso nos ensina que todo crente tem livre acesso aos ensinos da Palavra. Todos devem se empenhar em compreendê-la com a máxima perfeição possível. Por meio desse livre exame, todo crente se desenvolve e é edificado nos estudo pessoal e particular das Escrituras.

Nota

[1] J. Gresham Machen, Cristianismo e Liberalismo, São Paulo: Os puritanos, 2001, p. 83.

[2] Richard H. Popkin, Histótia do Ceticismo de Erasmo a Spinoza, Rio Janeiro: Francisco Alves, 200, p. 26.

[3] R. C. Sproul, “Sola Scriptura: Crucial ao Evangelismo”: In: J.M. Boice, org. O alicerce da Autoridade Bíblica, São Paulo: Vida Nova, 1982, p. 122.

[4] Para um estudo mais detalhado deste ponto, ver: Hermisten M. P. Costa, “Os símbolos de Fé na História: Sua Relevância e Limitações” In: Fides Reformata: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, IX/1 (2004) 51-57.

[5] Mark A. Noll, Momentos Decisivos na História do Cristianismo, São Paulo: Cultura Cristã, p. 20.

[6] J. I. Packer, “O Conforto do Conservadorismo” in: Michael Horton, org. Religião de poder, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1998, p. 241.

[7] Doravante citada como CFW.

[8] João Calvino, Exposição de hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 4.12), p. 108.

[9] F.F. Bruce, “Interpretação Bíblia”: In: J.D. Douglas, org. O Novo Dicionário da Bíblia, São Paulo: Junta Editorial Cristã, 1966, Vol II, p. 753.

[10] João Calvino, As Institutas, I.6.4. 

Autor: Herminsten Maia Pereira da Costa

Fonte: Revista Expressão, Século 21 – Atualidades, A igreja em seu contexto, Lição 07, pg. 28-35, Ed. Cep.  

Leia as confissões:






E também o excelente artigo do mesmo autor: Os credos da Reforma 



Autoridade e Suficiência das Escrituras – Origem, Testemunho e nossa prática.

Um dos princípios sustentado pela Reforma Protestante do Século 16 foi a afirmação da suficiência das Escrituras (Sola Scriptura significa Somente as Escrituras, em latim). Com isso, os Reformadores enfatizaram que somente a Bíblia é a única autoridade infalível dentro da Igreja: Somente as Escrituras são incondicionalmente autoritativas.

Um dos problemas fundamentais entre os cristãos do século 20/21, está na não aceitação teórica (confessional) e prática (vivencial) da Bíblia como Palavra autoritativa, inerrante e infalível de Deus. Uma visão relapsa deste ponto determina o fracasso teológico e espiritual da Igreja.

Este desvio teológico, acerca destas doutrinas, tem contribuído de forma acentuada, para que os homens não mãos discirnam a palavra de Deus e, por isso, não possam gozar da sua operação eficaz levada a efeito pelo Espírito (Cf. 1Ts 2.13 compare com Jo17.17), caindo assim, na “rampa escorregadia” da negação de outras doutrinas. Vejamos, então, alguns aspectos concernentes à autoridade das Escrituras.

1. A Suficiência das Escrituras: Sua Origem

Deus é o Autor da Escrituras. Mesmo a Bíblia sendo registrada por homens, falando do pecado do homem, descrevendo a desobediência circunstancial de seus autores secundários, ela é prioritariamente um livro divino.

Paulo diz que “toda Escritura é inspirada por Deus” (2 Tm 3.16), indicando a sua procedência: toda a Escritura Sarada é soprada, exalada por Deus. Esta Palavra não foi apenas entregue aos homens, mas foi preservada por Deus; Deus preservou ao seu registro e quanto à sua conservação.

Warfield (1851-1921), comentando o texto de 2 Timóteo 3.16, diz: “Numa palavra, o que se declara nesta passagem fundamental é, simplesmente, que as Escrituras são um produto divino, sem qualquer indicação da maneira como Deus operou para as produzir. Não se poderia escolher nenhuma outra expressão  que afirmasse, com maior saliência, a produção divina das Escrituras, como esta o faz. 9.(...) Paulo (...) afirma com toda a energia possível, que as Escrituras são o produto de uma operação especificamente divina.”¹

Com isto, estamos dizendo que o Deus que se revelou, esteve “expirando” os homens que ele mesmo separou para registrarem esta revelação. A inspiração bíblica garante que seja registrado de forma veraz aquilo que a inspiração profética fazia com respeito à palavra do profeta, para que ela correspondesse literalmente À mente de Deus; em outras palavras: a Palavra escrita é tão fidedigna quando a Palavra falada pelos profetas; ambas foram inspiradas por Deus.

2. A Suficiência do Testemunho das Escrituras

A Bíblia autentica-se a si mesma como o registro inspirado e inerrante da revelação de Deus. Deus ordenou que a sua palavra fosse escrita (Ex 17.14), sendo chamado este registro de “Livro do Senhor” (Is 34.16). Analisemos este ponto substanciando-o com alguns dos muitos textos bíblicos que fundamentam a nossa afirmação:

A. Os Profetas

1) Os profetas são descritos como aqueles dos quais Deus fala (Ex 7.1; Dt 18.15,18; Jr 1.9; 7.1). O Profeta não criava nem adaptava a mensagem; a ele competia transmiti-la como havia recebido (Ex 4.30; Dt 4.2,5). O que se exige do Profeta é fidelidade.

2)Os Profetas tinham consciência de que foram chamados por Deus (1 Sm 3; Is 6; Jr 1; Ez 1-3); receberam a mensagem da parte de Deus (Nm 23.5; Dt 18.18; Jr 1.9; 5.14), que era distinta dos seus próprios pensamentos (Nm 16.28; 24.13; 1 Rs 12.33; Ne 6.8). Os falsos profetas eram acusados justamente de proferirem as suas próprias palavras e não as de Deus (Jr 14.14; 23.16; 29.9; Ez 13.2,3,6).

3) Quando os profetas se dirigiam ao povo, diziam: “Assim diz o Senhor...”, “Ouvi a Palavra do Senhor...”. “Veio a Palavra do Senhor” (Cf. Ez 31.1; Os 1.1; Jl 1.1; Am 1.3; 2.1; Ob 1.1; Mq 1.1; Jr 27.1; 30.1,4, etc.); isto indicava a certeza que tinham de que Deus lhes dera a mensagem e os enviara (Cf. Jr 20.7-9; Ez 3.4ss, 17,22; 37.1; Am 3.8; Jn 1.2).

4) um fato importante a favor da sinceridade dos profetas de Deus, é que nem sempre eles entendiam a mensagem transmitida (Cf. Dn 12.8,9; Zc 1.9; 4.4; 1 Pe 1.10,11).

B. Os apóstolos

Os escritores do Novo Testamento reconheciam ser o Antigo Testamento a Palavra de Deus (Hb 1.1; 3.7), sendo a “Escritura” um registro fiel da história e da vontade de Deus (Rm 4.3; 9.17; Gl 3.8; 4.30).

Os Apóstolos falavam com a convicção de que estavam pregando e ensinado a Palavra inspirada de Deus, dirigidos pelo Espírito Santo (Vd. 1 Co 2.4-13; 7.10; 14.37; 2 Co 13.2,3; Gl 1.6-9; Cl 4.16; 1 Ts 2.13; 2 Ts 3.14)

Paulo e Pedro colocavam os Escritos do Novo testamento no mesmo nível do Antigo Testamento (Cf. 1 Tm 5.18 compara com Dt 25.4; Lc 10.7; 2 Pe 3.16).

Paulo reconheceu os apóstolos e os profetas, no mesmo nível, como os fundamentos da Igreja, edificados sobre Jesus Cristo, a pedra angular (Ef 2.20)

C. Jesus Cristo

Jesus apela para o Antigo Testamento, considerando-o como a expressão fiel do Conselho de Deus, sendo a verdade final e decisória. Deus é o autor das Escrituras (Mt 4.4,7, 10; 11.10; 15.4; 19.4; 21.16,42; 22.29; Mt 105-9; 12.24; Lc 19.46; 24.25-27; 44-47; Jo 10.34).

D. Afirmações diretas das Escrituras

O Novo Testamento declara enfaticamente que toda a Escritura, como Palavra de Deus, é inspirada, inerrante e infalível (Vd. Mt 5.18; Lc 16.17, 29, 31; Jo 10.35; At 1.16; 4.24-26; 28.25; Rm 15.4; 2 Tm 3.16; Hb 1.1,2; 3.7-11; 10.15-17; 2 Pe 1.20).

A Bíblia fornece argumentos racionais que demonstram a sua inspiração e inerrância, todavia, os homens só poderão ter esta convicção mediante o testemunho interno do Espírito Santo (Sal 119.118).² Os discípulos de Cristo, só entenderam as Escrituras, quando o próprio Jesus lhes abriu o entendimento (Lc 24.45). A Escritura autentica-se a si mesma e nós a recebemos pelo Espírito.³

A Igreja sustenta a total rendição às reivindicações proféticas, apostólicas e do próprio Cristo. Diante de um testemunho tão evidente, como poderia eu descartá-lo e seguir as opiniões fantasiosas de homens? O cristão sincero deve aprender, pelo Espírito de Deus, a subordinar a sua inteligência à sabedoria de Deus revelada nas Escrituras e a guardar no coração a Palavra de Deus (Sl 119.11)

3. A Suficiência das Escrituras e a Evangelização

No ato evangelizador da Igreja, ela prega a palavra de Deus conforme a ordem divina expressa nas Escrituras; fala da salvação eterna oferecida por Cristo, conforme as Escrituras proclama as perfeições de Deus, conforme as Escrituras... Ora, se a Igreja não tem certeza da fidedignidade do que ensina, como então, poderá testemunhar de forma honesta?

Uma Igreja que não aceite a inspiração e a inerrância bíblica, não poderá ser uma igreja missionária. Como poderemos pregar a palavra se não estivermos confiantes do sentido exato do que está sendo dito? Como evangelizar se nós mesmos não temos certeza, se o que falamos procede da Palavra de Deus ou, está embasado numa falácia? Paulo dá testemunho de que a Escritura é fiel; por isso, ele a ensinava com autoridade (1 Tm 1.15; 4.9 compare com 2 Tm 4.6-8).

Satanás objetando esmorecer o ímpeto evangelístico da Igreja, tem usado deste artifício: minar a doutrina da inspiração e inerrância das Escrituras, a fim de que a Igreja perca a compreensão de sua própria natureza e, assim, substitua a pregação evangélica por discursos éticos, políticos e propaganda pessoal. Aliás, A Escritura sempre foi um dos alvos  prediletos de Satanás (Vd. Gn 3.1-5; Mt 4.3,6,8,9; 2 Co 4.3,4). Entretanto, a Igreja é chamada a proclamar com firmeza o Evangelho, conforme registrado na Bíblia e preservado pelo Espírito através dos séculos (2 Tm 4.2).

A Igreja prega o Evangelho, consciente de que ele é o poder de Deus para salvação do pecador (Rm 1.16); por isso, recusar o Evangelho significa rejeitar o próprio Deus que nos fala (1 Ts 4.8). Calvino, comentado Romanos 1.16, diz que aqueles que “se retraem de ouvir a Palavra proclamada estão premeditadamente rejeitando o poder de Deus e repelindo de si a mão divina que pode libertá-los.” [4] A Igreja proclama a Palavra, não as suas opiniões a respeito da Palavra, consciente que Deus age através das Escrituras, produzindo frutos de vida eterna (Rm 10.8-17; 1 Co 1.21; 1 Co 15.11; Cl 1.3-6; 1 Ts 2.13,14). A Igreja por si só não produz vida, todavia ela recebeu a vida em Cristo (Jo 10.10), através da sua Palavra vivificadora; deste modo, ela ensina a Palavra, para que pelo Espírito de Cristo, que atua mediante as Escrituras, os homens creiam e recebam vida abundante e eterna.

Conclusão

Nós somos herdeiros dos princípios bíblicos da Reforma; para nós, como para os Reformadores, a Palavra de Deus é a fonte autoritativa de Deus para o nosso pensar, crer sentir e agir: A Palavra de Deus é-nos suficiente.

Quando Satanás tentou a Jesus durante os seus 40 dias de jejum e oração no deserto, dizendo: “Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transforme em pães” (Mt 4.3),  Jesus Cristo, recorrendo ao Livro de Deuteronômio, capítulo 8, verso 3, respondeu: “ Não só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que procede de Deus” (Mt 4.4). Notemos que esta afirmação torna-se ainda mais dramática se consideramos o fato de que Jesus estava à beira da inanição, sendo induzido a pensar que caso não comesse imediatamente poderia morrer.

Nestas palavras, não temos um contraste entre o espiritual e o físico, antes; há uma demonstração categórica, feita por Cristo, de que devemos ter me mente que a nossa sustentação, em todos os sentidos, provém de Deus: Somos sustentados pela Palavra de Deus. O mesmo Espírito que nos regenerou através da Palavra (Tg 1.18; 1Pe 1.23), age mediante esta mesma Palavra, para que vivamos, de fato, como novas criaturas que somos. A Bíblia é o instrumento eficaz do Espírito, porque ela foi inspirada pelo Espírito Santo (2Pe 1.21).

Jesus orou ao Pai para que ele nos santificasse na Verdade, que é a sua Palavra. Meus irmãos, se quisermos crescer espiritualmente temos de recorrer à Palavra vivificada de Cristo; somente ela pode nos tornar sábios para a Salvação mediante a fé depositada unicamente em Jesus Cristo (2 Tm 3.15). Com este propósito ela foi-nos concedida (Rm 15.4).

Você aceita a autoridade das Escrituras? Quando sua opinião sobre determinado tema é uma e a posição da Bíblia é outra, com qual você fica?

Nota:

¹B.B.WARFIELD, The Inspiration of the Bíble: In: The Works of Benjamin B. Warfield, Grande Rapids, Michigan, Baker Book House, 1981, Vol. I, p. 79.

² Vd. J. Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo, Paracletos, 199 (Rm 8.16), p. 279.

³ Vd. J. Calvino, As Institutas São Paulo, Casa Presbiteriana, 1985, I;7.4-5 e I.8.13

[4] J. Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 1.16), p. 58.

Autor: Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

Fonte: Revista Palavra Viva – Graça e Fé, lição 04 - Sola Scriptura, pg 13-16, Editora Cultura Cristã. Compre esta excelente revista trimestral em www.cep.org.br

 



A Bíblia e a Ciência

A Bíblia não é um manual científico; ela não pretende ensinar-nos química, físico, biologia, botânica, astronomia etc. Entretanto, cremos que o que ela diz no campo científico, como em qualquer outro, é a verdade do ponto de vista fenomenológico, não havendo divergência real entre a genuína ciência e a correta interpretação da Palavra. Deus é o Senhor de toda a verdade. Portanto, nossa compreensão bíblica é determinada pela revelação de Deus nas Escrituras; não interpretamos a Bíblia simplesmente à luz da história, ou de seus condicionamentos políticos, sociais, econômicos e culturais; antes, olhamos a história a partir da perspectiva das promessas divinas.

Acreditamos na coerência de toda a realidade, aceitamos até mesmo o que as Escrituras dizem sobre o pecado. A ciência genuína nunca nos afastará de Deus. Ela só encontrará pleno sentido  no seu Senhor e para onde todo o real converge e encontra seu verdadeiro significado. Aliás, como bem acentuou Herman Bavinck (1854-1921):

Qualquer ciência, filosofia ou conhecimento que suponha poder firmar-se em suas próprias pressuposições, deixando Deus de fora de suas considerações, transforma-se em seu próprio opositor e desilude a todos que constroem suas expectativas nisto. [1]

Portanto, não temos medo dos fatos, porque sabemos  que provêm de Deus; nem tememos pensar, porque sabemos que toda verdade procede de Deus. A razão corretamente conduzida e o exercício da genuína ciência não oferecem perigo à fé, antes, são suas aliadas. Contudo, devemos estar atentos isto: as Escrituras não se propõem a fazer ciência. Calvino destacou isso ao comentar Gênesis 1:14:  “É necessário relembrar que Moisés não fala com agudez filosófica sobre os mistérios ocultos, porém relata aquelas coisas que em toda parte observou, e que igualmente são comuns aos homens simples” [2]. Inspirando por Deus, Moisés escreveu do ponto de vista fenomenológico, sem a preocupação – e este não era seu objetivo – de registrar os fatos com terminologia científica.

Na hipótese de Moisés ter escrito conforme os padrões científicos de sua época – o que não ocorreu, e isso é impressionante, pois ele rompeu com sua primorosa formação egípcia -, certamente o que disse seria ridicularizado hoje. Em contrapartida, se tivesse redigido o relato da criação com rigor cientifico absoluto, dificilmente entenderíamos o que teria dito. As Escrituras continuariam sendo ridicularizadas nesse caso simplesmente por nossa ignorância científica.   A linguagem descrita dos fatos conforme se apresentam à nossa percepção é o melhor modo de tornar algo compreensível a todas  as épocas; assim, Deus se designou fazer e o fez. Calvino afirma:

Moisés registra que foi acabada a terra e acabados os céus, como todo o exército deles (Gn 2.1). Que vale ansiosamente indagar em que dia, à parte das estrelas e dos planetas, hajam também começado a existir os demais exércitos celestes mais recônditos, quais sejam os anjos? Para não alongar-me em demasia, lembremo-nos neste ponto, com em toda a doutrina da religião, de que se deve manter a só norma de modéstia e sobriedade, de sorte que, em se tratando de cousas obscuras, não falemos, ou sintamos, ou sequer almejemos saber, outra cousa que aquilo que nos haja ensinado na Palavra de Deus. Ademais, impõe-se, ainda, que no exame da Escritura nos atenhamos a buscar e meditar continuamente aquelas cousa que dizem respeito à edificação, nem cedamos à curiosidade, ou à investigação de cousas inúteis.  E, porque o Senhor nos quis instruir não em questões frívolas, mas na sólida piedade, no temor do Seu nome, na verdadeira confiança, no deveres da santidade, contentemos-nos com este conhecimento [3].

Charles Hodge (1797-1878), teólogo calvinista americano afirmou:

[Deus] não ensinou astronomia ou química aos homens, porém ele deu-lhes os fatos externos sobre os quais aquelas ciências são construídas. Tampouco ensinou-nos teologia sistemática, porém ele deu-nos na Bíblia as verdades que, propriamente compreendidas e organizadas, constituem a ciência da Teologia [4].

Nota:

[1] Our Reasonable Faith, p. 20.

[2] Commentaries on The First Book of Moses Called Gênesis, vol. I,p. 84.

[3] As Institutas, I. 14.4

[4] Systematic Theology, vol. I. p. 3.

Autor: Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

Fonte: Fundamentos da teologia reformada, pg. 49- 51, Editora Mundo Cristão. Compre este Maravilhoso livro em www.mundocristao.com.br.



A Doutrina Reformada da Autoridade Suprema das Escrituras*

A doutrina que me proponho a considerar neste artigo foi de fundamental importância na Reforma Protestante do Século XVI. Em contraposição, por um lado, à doutrina católica romana de uma tradição oral apostólica e, por outro lado, ao misticismo dos assim chamados entusiastas ou reformadores radicais, os Reformadores defenderam a doutrina da autoridade suprema das Escrituras. Essa foi, portanto, a resposta deles à autoridade da tradição eclesiástica e do misticismo pessoal.

A autoridade suprema das Escrituras também é uma doutrina puritano-presbiteriana. A ela os puritanos tiveram que apelar freqüentemente na luta que foram obrigados a travar contra as imposições litúrgicas da Igreja Anglicana.1  A Confissão de Fé de Westminster professa a referida doutrina em três parágrafos do seu primeiro capítulo. No quarto parágrafo, ela trata da origem ou fundamento da autoridade das Escrituras:

A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus (a mesma verdade) que é o seu Autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a Palavra de Deus.

O parágrafo quinto aborda a questão da certeza ou convicção pessoal da autoridade das Escrituras:

Pelo testemunho da Igreja podemos ser movidos e incitados a um alto e reverente apreço pela Escritura Sagrada; a suprema excelência do seu conteúdo, a eficácia da sua doutrina, a majestade do seu estilo, a harmonia de todas as suas partes, o escopo do seu todo (que é dar a Deus toda a glória), a plena revelação que faz do único meio de salvar-se o homem, as suas muitas outras excelências incomparáveis e completa perfeição são argumentos pelos quais abundantemente se evidencia ser ela a Palavra de Deus; contudo, a nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade provém da operação interna do Espírito Santo que, pela Palavra e com a Palavra, testifica em nossos corações.

O décimo e último parágrafo desse capítulo confere às Escrituras (a voz do Espírito Santo) a palavra final para toda e qualquer questão religiosa, reconhecendo-a como supremo tribunal de recursos em matéria de fé e prática:

O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser determinadas, e por quem serão examinados todos os decretos de concílios, todas as opiniões dos antigos escritores, todas as doutrinas de homens e opiniões particulares; o Juiz Supremo, em cuja sentença nos devemos firmar, não pode ser outro senão o Espírito Santo falando na Escritura.

Em dias como os que estamos vivendo, em que cresce a impressão de que o evangelicalismo moderno (particularmente o brasileiro) manifesta profunda crise teológica, eclesiástica e litúrgica,2 convém considerar novamente essa importante doutrina reformado-puritana. Convém uma palavra de alerta contra antigas e novas tendências de usurpar ou limitar a autoridade da Palavra de Deus. Tal é o propósito deste artigo.

I. Definição

O que queriam dizer os Reformadores ao professarem a doutrina da autoridade das Escrituras? Que, por serem divinamente inspiradas, elas são verídicas em todas as suas afirmativas. Segundo esta doutrina, as Escrituras são a fonte infalível de informação que estabelece definitivamente qualquer assunto nelas tratado: a única regra infalível de fé e de prática, o supremo tribunal de recursos ao qual a Igreja pode apelar para a resolução de qualquer controvérsia religiosa.

Isto não significa que as Escrituras sejam o único instrumento de revelação divina. Os atributos de Deus se revelam por meio da criação: a revelação natural (cf. Sl 19:1-4 e Rm 1:18-20). Uma versão da sua lei moral foi registrada em nosso coração: a consciência (cf. Rm 2:14-15), "uma espiã de Deus em nosso peito," "uma embaixadora de Deus em nossa alma," como os puritanos costumavam chamá-la.3 A própria pessoa de Deus, o ser de Deus, revela-se de modo especialíssimo no Verbo encarnado, a segunda pessoa da Trindade (cf. Jo 14.19; Cl 1.15 e 3.9).

Mas, visto que Cristo nos fala agora pelo seu Espírito por meio das Escrituras, e que as revelações da criação e da consciência não são nem perfeitas e nem suficientes por causa da queda, que corrompeu tanto uma como outra, a palavra final, suficiente e autoritativa de Deus para esta dispensação são as Escrituras Sagradas.

II. Base Bíblica

A base bíblica da doutrina reformada da autoridade suprema das Escrituras é tanto inferencial como direta.

A. Base Inferencial

É inferencial, porque decorre do ensino bíblico a respeito da inspiração divina das Escrituras. Visto que as Escrituras não são produto da mera inquirição espiritual dos seus autores (cf. 2 Pe 1.20), mas da ação sobrenatural do Espírito Santo (cf. 2 Tm 3.16 e 2 Pe 1.21), infere-se que são autoritativas. Na linguagem da Confissão de Fé, a autoridade das Escrituras procede da sua autoria divina: "porque é a Palavra de Deus."

Isto não significa que cada palavra foi ditada pelo Espírito Santo, de modo a anular a mente e a personalidade daqueles que a escreveram. Os autores bíblicos não escreveram mecanicamente. As Escrituras não foram psicografadas, ou melhor, "pneumografadas." Os diversos livros que compõem o cânon revelam claramente as características culturais, intelectuais, estilísticas e circunstanciais dos diversos autores. Paulo não escreve como João ou Pedro. Lucas fez uso de pesquisas para escrever o seu Evangelho e o livro de Atos. Cada autor escreveu na sua própria língua: hebraico, aramaico e grego. Os autores bíblicos, embora secundários, não foram instrumentos passivos nas mãos de Deus. A superintendência do Espírito não eliminou de modo algum as suas características e peculiaridades individuais. Por outro lado, a agência humana também em nada prejudicou a revelação divina. Seus autores humanos foram de tal modo dirigidos e supervisionados pelo Espírito Santo que tudo o que foi registrado por eles nas Escrituras constitui-se em revelação infalível, inerrante e autoritativa de Deus. Não somente as idéias gerais ou fatos revelados foram registrados, mas as próprias palavras empregadas foram escolhidas pelo Espírito Santo, pela livre instrumentalidade dos escritores.4

O fato é que, por procederem de Deus, as Escrituras reivindicam atributos divinos: são perfeitas, fiéis, retas, puras, duram para sempre, verdadeiras, justas (Sl 19.7-9) e santas (2 Tm 3.15).5

 B. Base Direta

Mas a doutrina reformada da autoridade das Escrituras não se fundamenta apenas em inferências. Diversos textos bíblicos reivindicam autoridade suprema.

Os profetas do Antigo Testamento reivindicam falar palavras de Deus, introduzindo suas profecias com as assim chamadas fórmulas proféticas, dizendo: "assim diz o Senhor," "ouvi a palavra do Senhor," ou "palavra que veio da parte do Senhor."6  No Novo Testamento, vários textos do Antigo Testamento são citados, sendo atribuídos a Deus ou ao Espírito Santo. Por exemplo: "Assim diz o Espírito Santo..." (Hb 3:7ss).7

A autoridade apostólica também evidencia a autoridade suprema das Escrituras. O Apóstolo Paulo dava graças a Deus pelo fato de os tessalonicenses terem recebido as suas palavras "não como palavra de homens, e, sim, como em verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, está operando eficazmente em vós, os que credes" (1 Ts 2:13). Que autoridade teria Paulo para exortar aos gálatas no sentido de rejeitarem qualquer evangelho que fosse além do evangelho que ele lhes havia anunciado, ainda que viesse a ser pregado por anjos? Só há uma resposta razoável: ele sabia que o evangelho por ele anunciado não era segundo o homem; porque não o havia aprendido de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo (Gl 1:8-12).

Jesus também atesta a autoridade suprema das Escrituras: pelo modo como a usa, para estabelecer qualquer controvérsia: "está escrito"8 (exemplos: Mt 4:4,6,7,10; etc.), e ao afirmar explicitamente a autoridade das mesmas, dizendo em João 10:35 que "a Escritura não pode falhar."9 

III. Usurpações da Autoridade das Escrituras

Apesar da sólida base bíblico-teológica em favor da doutrina reformada da autoridade suprema das Escrituras, hoje, como no passado, deparamo-nos com a mesma tendência geral de diminuir a autoridade das Escrituras. E isso ocorre de duas maneiras: por um lado, há a propensão em admitir fontes adicionais ou suplementares de autoridade, que tendem a usurpar a autoridade da Palavra de Deus. Por outro lado, há a tendência de limitar a autoridade das Escrituras, negando-a, subjetivando-a ou reduzindo o seu escopo.

Com relação à primeira dessas tendências, pelo menos três fontes suplementares usurpadoras da autoridade das Escrituras podem ser identificadas: a tradição (degenerada em tradicionalismo), a emoção (degenerada em emocionalismo) e a razão (degenerada no racionalismo). Sempre que um desses elementos é indevidamente enfatizado, a autoridade das Escrituras é questionada, diminuída ou mesmo suplantada.

A. A Tradição Degenerada em Tradicionalismo

Este foi um dos grandes problemas enfrentados pelo Senhor Jesus. A religião judaica havia se tornado incrivelmente tradicionalista. Havendo cessado a revelação, os judeus, já no segundo século antes de Cristo, produziram uma infinidade de tradições ou interpretações da Lei, conhecidas como Mishnah. Essas tradições foram cuidadosamente guardadas pelos escribas e fariseus por séculos, até serem registradas nos séculos IV e V A.D., passando a ser conhecidas como o Talmude,10  a interpretação judaica oficial do Antigo Testamento até o dia de hoje. Muitas dessas tradições judaicas eram, entretanto, distorções do ensino do Antigo Testamento. Mas tornaram-se tão autoritativas, que suplantaram a autoridade do Antigo Testamento. Jesus acusou severamente os escribas e fariseus da sua época, dizendo:

Em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens. Negligenciando o mandamento de Deus, guardais a tradição dos homens. E disse-lhes ainda: Jeitosamente rejeitais o preceito de Deus para guardardes a vossa própria tradição... invalidando a palavra de Deus pela vossa própria tradição que vós mesmos transmitistes... (Mc 7.7-9,13).11 

O Apóstolo Paulo também denunciou essa tendência. Escrevendo aos colossenses, ele advertiu:

Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo... Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo, vos sujeitais a ordenanças: Não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro, segundo os preceitos e doutrinas dos homens? (Cl 2.8,20-22).

Quinze séculos depois, os Reformadores se depararam com o mesmo problema: as tradições contidas nos livros apócrifos e pseudepígrafos, nos escritos dos pais da igreja, nas decisões conciliares e nas bulas papais também degeneraram em tradicionalismo. As tradições eclesiásticas adquiriram autoridade que não possuíam, usurpando a autoridade bíblica. É neste contexto que se deve entender a doutrina reformada da autoridade das Escrituras. Trata-se, primordialmente, de uma reação à posição da Igreja Católica.

Isto não significa, entretanto, que a tradição eclesiástica seja necessariamente ruim. Se a tradição reflete, de fato, o ensino bíblico, ou está de acordo com ele, não sendo considerada normativa (autoritativa) a não ser que reflita realmente o ensino bíblico, então não é má. Os próprios Reformadores produziram, registraram e empregaram confissões de fé e catecismos (os quais também são tradições eclesiásticas). Para eles, contudo, esses símbolos de fé não têm autoridade própria, só sendo normativos na medida em que refletem fielmente a autoridade das Escrituras.

O problema, portanto, não está na tradição, mas na sua degeneração, no tradicionalismo, que atribui à tradição autoridade inerente. O tradicionalismo atribui autoridade às tradições, pelo simples fato de serem antigas ou geralmente observadas, e não por serem bíblicas. Essa tendência acaba sempre usurpando a autoridade das Escrituras.

B. A Emoção Degenerada em Emocionalismo

Outra fonte de autoridade que sempre ameaça a autoridade das Escrituras é a emoção, quando degenerada em emocionalismo. Isto quase inevitavelmente conduz ao misticismo. Na esfera religiosa, freqüentemente é dado um valor exagerado à intuição, ao sentimento, ao convencimento subjetivo. Quando tal ênfase ocorre, facilmente esse sentimento subjetivo de convicção, pessoal e interno, é explicado misticamente, em termos de iluminação espiritual e revelação divina direta, seja por meio do Espírito, seja pela instrumentalidade de anjos, sonhos, visões, arrebatamentos, etc.

Não é que Deus não tenha se revelado por esses meios. Ele de fato o fez. Foi, em parte, através desses meios que a revelação especial foi comunicada à Igreja e registrada no cânon pelo processo de inspiração. O que se está afirmando é que o misticismo copia, forja essas formas reais de revelação do passado, para reivindicar autoridade que na verdade não é divina, mas humana (quando não diabólica). Essa tendência não é de modo algum nova. Eis as palavras do Senhor através do profeta Jeremias:

Assim diz o Senhor dos Exércitos: Não deis ouvido às palavras dos profetas que entre vós profetizam, e vos enchem de vãs esperanças; falam as visões do seu coração, não o que vem da boca do Senhor... Até quando sucederá isso no coração dos profetas que proclamam mentiras, que proclamam só o engano do próprio coração?... O profeta que tem sonho conte-o como apenas sonho; mas aquele em quem está a minha palavra, fale a minha palavra com verdade. Que tem a palha com o trigo? diz o Senhor (Jr 23.16,26,28).

Séculos depois o Apóstolo Paulo enfrentou o mesmo problema. Ele próprio foi instrumento de revelações espirituais verdadeiras, inspirado que foi para escrever suas cartas canônicas. Nessa condição, ele sabia muito bem o que eram sonhos, visões, revelações e arrebatamentos. Mas, ainda assim, advertiu aos colossenses, dizendo: "Ninguém se faça árbitro contra vós outros, pretextando humildade e culto dos anjos, baseando-se em visões, enfatuado sem motivo algum na sua mente carnal" (Cl 2:18). Tanto Jesus como os apóstolos advertem a Igreja repetidamente contra os falsos profetas, os quais ensinam como se fossem apóstolos de Cristo, mas que não passam de enganadores.

Pois bem, sempre que tal coisa ocorre, a autoridade das Escrituras é ameaçada. O misticismo, como degeneração das emoções (não se pode esquecer que também as emoções foram corrompidas pelo pecado) tende sempre a usurpar, a competir com a autoridade das Escrituras, chegando mesmo freqüentemente a suplantá-la. Na época dos Reformadores não foi diferente. Eles combateram grupos místicos por eles chamados de entusiastas12  que reivindicavam autoridade espiritual interior, luz interior, revelações espirituais adicionais que suplantavam ou mesmo negavam a autoridade das Escrituras. Esta tem sido igualmente uma das características mais comuns das seitas modernas, tais como mormonismo, testemunhas de Jeová, adventismo do sétimo dia, etc. Entre os movimentos pentecostais e carismáticos também não é incomum a emoção degenerar em emocionalismo, produzindo um misticismo usurpador da autoridade das Escrituras.

C. A Razão Degenerada em Racionalismo

A ênfase exagerada na razão também tende a usurpar a autoridade das Escrituras. O homem, devido a sua natureza pecaminosa, sempre tem resistido a submeter sua razão à autoridade da Palavra de Deus. A tendência é sempre tê-la (a razão) como fonte suprema de autoridade. Isto foi conseqüência da queda. Na verdade, foi também a causa, tanto da queda de Satanás como de nossos primeiros pais. Ambos caíram por darem mais crédito às suas conclusões do que à palavra de Deus. Desde então, essa soberba mental, essa altivez intelectual tem tendido sempre a minar a autoridade da Palavra de Deus, oral (antes de ser registrada) ou escrita.

Por que o ser humano, tendo conhecimento de Deus, não o glorifica como Deus nem lhe é grato? O Apóstolo Paulo explica: porque, suprimindo a verdade de Deus (Rm 1:18), "...se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato. Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos... pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura, em lugar do Criador...’’ (Rm 1:21-22,25).

Esta tem sido, sem dúvida, a causa de uma infinidade de heresias e erros surgidos no curso da história da Igreja. A heresia de Marcião, o gnosticismo, o arianismo, o docetismo, o unitarianismo, e mesmo o arminianismo são todos erros provocados pela dificuldade do homem em submeter sua razão à revelação bíblica. Todos preferiram uma explicação racional, lógica, em lugar da explicação bíblica que lhes parecia inaceitável. Assim, Marcião concebeu dois deuses, um do Antigo e outro do Novo Testamento. Por isso, também o gnosticismo fez distinção moral entre matéria e espírito. Já o arianismo originou-se da dificuldade de Ario em aceitar a eternidade de Cristo. Do mesmo modo, o docetismo surgiu da dificuldade de alguns em admitir um Cristo verdadeiramente divino-humano. O unitarianismo, por sua vez, decorre da recusa em aceitar a doutrina bíblica da Trindade, enquanto que o arminianismo surgiu da dificuldade de Armínio em conciliar a doutrina da soberania de Deus com a doutrina da responsabilidade humana (rejeitando a primeira).

A tendência da razão em usurpar a autoridade das Escrituras tem sido especialmente forte nos últimos dois séculos. O desenvolvimento científico e tecnológico instigou a soberba intelectual do homem. Assim, passou-se a acreditar apenas no que possa ser constatado, comprovado, pela razão e pela lógica. A ciência tornou-se a autoridade suprema, a única regra de fé e prática. E a Igreja passou a fazer concessões e mais concessões, na tentativa de harmonizar as Escrituras com a razão e com a ciência. O relato bíblico da criação foi desacreditado pela teoria da evolução; os milagres relatados nas Escrituras foram rejeitados como mitos; e muitos estudiosos das Escrituras passaram a assumir uma postura crítica, não mais submissa aos seus ensinos. Foi assim que surgiu o método de interpretação histórico-crítico em substituição ao método histórico-gramatical. Nele, é a suprema razão humana que determina o que é escriturístico ou mera tradição posterior, o que é milagre ou mito, o que é verdadeiro ou falso nas Escrituras.

Mas antes de se atribuir tanta autoridade à ciência, convém considerar a sua história. Quão falível e mutável é! A grande maioria dos "fatos" científicos de dois séculos atrás já foram rejeitados pela própria ciência. Além disso, com que freqüência meras teorias e hipóteses científicas são tomadas como fatos científicos comprovados!13 

IV. Limitações da Autoridade das Escrituras

Além das tendências que acabei de considerar, propensas a usurpar a autoridade das Escrituras, existem outras, que tendem a limitar a autoridade bíblica, negando-a, subjetivando-a ou reduzindo o seu escopo. É o que têm feito a teologia liberal, a neo-ortodoxia e o neo-evangelicalismo, com relação a três dos principais aspectos da doutrina da autoridade das Escrituras. Estas três concepções de "autoridade" bíblica precisam ser entendidas. Elas estão sendo bastante divulgadas em nossos dias, e são, em certo sentido, até mais perigosas do que as tendências anteriormente mencionadas, por serem mais sutis. Este assunto pode ser melhor entendido considerando-se os três principais aspectos da doutrina da autoridade das Escrituras: sua origem (ou base), certeza (ou convicção) e escopo (ou abrangência).

A. Origem ou Base da Autoridade das Escrituras

A origem ou base da autoridade das Escrituras, como já foi mencionado, encontra-se na sua autoria divina. As Escrituras são autoritativas porque são de origem divina: o Espírito Santo é o seu autor primário. Para os Reformadores, as Escrituras são autoritativas porque são a Palavra de Deus inspirada. Por isso são infalíveis, inerrantes, claras, suficientes, etc.

A teologia liberal (racionalista) nega a própria base da autoridade da Escritura, negando a sua origem divina. Para ela, as Escrituras são mero produto do espírito humano, expressando verdades divinas conforme discernidas pelos seus autores, bem como erros e falhas características do homem. Sua autoridade, portanto, não é divina nem inerente, mas humana, devendo ser determinada pelo julgamento da razão crítica. Eis o que afirmam: "A verdade divina não é encontrada em um livro antigo, mas na obra contínua do Espírito na comunidade, conforme discernida pelo julgamento crítico racional."14  De acordo com a teologia liberal, "nós estamos em uma nova situação histórica, com uma nova consciência da nossa autonomia e responsabilidade para repensar as coisas por nós mesmos. Não podemos mais apelar à inquestionável autoridade de um livro inspirado."15 

B. Certeza da Autoridade das Escrituras

A certeza ou convicção da autoridade das Escrituras16 provém do testemunho interno do Espírito Santo. A excelência do seu conteúdo, a eficácia da sua doutrina e a sua extraordinária unidade são algumas das características das Escrituras que demonstram a sua autoridade divina. Contudo, admitimos que "a nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade provém da operação interna do Espírito Santo, que pela Palavra e com a Palavra, testifica em nossos corações."17 

O testemunho da Igreja com relação à excelência das Escrituras pode se constituir no meio pelo qual somos persuadidos da sua autoridade, mas não na base ou fundamento da nossa persuasão. A nossa persuasão da autoridade da Bíblia dá-se por meio do testemunho interno do Espírito Santo com relação à sua inspiração. Na concepção reformada, se alguém crê, de fato, na autoridade suprema das Escrituras como regra de fé e prática, o faz como resultado da ação do Espírito Santo. É ele, e só ele, quem pode persuadir alguém da autoridade da Bíblia.

Essa persuasão não significa de modo algum uma revelação adicional do Espírito. Significa, sim, que a ação do Espírito na alma de uma pessoa, iluminando seu coração e sua mente em trevas, regenerando-a, fazendo-a nova criatura, dissipa as trevas espirituais da sua mente, remove a obscuridade do seu coração, permitindo que reconheça a autoridade divina das Escrituras. O Apóstolo Paulo trata deste assunto escrevendo aos coríntios. Ele explica, na sua primeira carta, que, "o homem natural não aceita as cousas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente" (1 Co 2.14). O homem natural, em estado de pecado, perdeu a sua capacidade original de compreender as coisas espirituais. Ele não pode, portanto, reconhecer a autoridade das Escrituras; ele não tem capacidade para isso. Na sua segunda carta aos coríntios o Apóstolo é ainda mais explícito, ao observar que,

...se o nosso evangelho ainda está encoberto, é para os que se perdem que está encoberto, nos quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus... Porque Deus que disse: de trevas resplandecerá luz —, ele mesmo resplandeceu em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo (2 Co 4.3-4,6).

O que Paulo afirma aqui é que o homem natural, o incrédulo, está cego como resultado da obra do diabo, que o fez cair. Nesse estado, ele está como um deficiente visual, que não consegue perceber nem mesmo a luz do sol. Pode-se compreender melhor o testemunho interno do Espírito com esta ilustração. O testemunho do Espírito não é uma nova luz no coração, mas a sua ação através da qual ele abre os olhos de um pecador, permitindo-lhe reconhecer a verdade que lá estava, mas não podia ser vista por causa da sua cegueira espiritual.

Deve-se ter em mente, entretanto — e esse é o ponto enfatizado aqui —, que esse testemunho interno do Espírito Santo diz respeito à certeza do crente com relação à plena autoridade das Escrituras, e não à própria autoridade inerente das Escrituras. A convicção de um crente de que as Escrituras têm autoridade é subjetiva, mas a autoridade das Escrituras é objetiva. Esteja-se ou não convencido da sua autoridade, a Bíblia é e continua objetivamente autoritativa. A neo-ortodoxia existencialista confunde estas coisas e defende a subjetividade da própria autoridade da Bíblia. Para eles, a revelação bíblica só é verdade divina quando fala ao nosso coração. Como dizem, "as Escrituras não são, mas se tornam a Palavra de Deus" quando existencializadas.18 

C. Escopo da Autoridade das Escrituras

Essas posições da teologia liberal e da neo-ortodoxia com relação à origem e à certeza da autoridade das Escrituras são seríssimas. Contudo, talvez mais séria ainda (por ser mais sutil) é a questão relacionada ao escopo da autoridade das Escrituras.

Uma nova concepção da autoridade das Escrituras tem surgido entre os eruditos evangélicos (inclusive reformados de renome, tais como G. C. Berkouwer19), conhecida como neo-evangélica. O neo-evangelicalismo limita o escopo (a área) da autoridade das Escrituras ao seu propósito salvífico. Segundo essa concepção, a autoridade das Escrituras limita-se à revelação de assuntos diretamente relacionados à salvação, a assuntos religiosos.20 

A doutrina neo-evangélica faz diferença entre o conteúdo salvífico das Escrituras e o seu contexto salvífico, reivindicando autoridade e inerrância apenas para o primeiro. Mas tal posição não reflete nem se coaduna com a posição reformada e protestante histórica. Para esta, o escopo da autoridade das Escrituras é todo o seu cânon. É verdade que a Bíblia não se propõe a ser um compêndio científico ou um livro histórico. Mas, ainda assim, todas as afirmativas nelas contidas, sejam elas de caráter teológico, prático, histórico ou científico, são inerrantes e autoritativas.21 

Os principais problemas relacionados com a posição neo-evangélica quanto à autoridade das Escrituras são os seguintes: Primeiro, como distinguir o conteúdo salvífico do seu contexto salvífico? É impossível. As Escrituras são a Palavra de Deus revelada na história. Segundo, como delimitar o que está ou não está diretamente relacionado ao propósito salvífico, se o propósito da obra da redenção não é meramente salvar o homem, mas restaurar o cosmo? Que porções das Escrituras ficariam de fora do escopo da salvação? Como Ridderbos admite, "a Bíblia não é apenas o livro da conversão, mas também o livro da história e o livro da Criação..."22 Que áreas da vida humana ficariam de fora da obra da redenção? A arte, a ciência, a história, a ética, a moral? Quem delimitaria as fronteiras entre o que está ou não incluído no propósito salvífico? Admitir, portanto, o conceito neo-evangélico de autoridade das Escrituras é cair na cilada liberal do cânon dentro do cânon, e colocar a razão humana como juiz supremo de fé e prática, pois neste caso competirá ao homem determinar o que é ou não propósito salvífico.

Conclusão

Em última instância, a questão da autoridade das Escrituras pode ser resumida na seguinte pergunta: quem tem a última palavra, Deus, falando através das Escrituras, ou o homem, por meio de suas tradições, sentimentos ou razão? A resposta dos Reformadores foi clara. Embora reconhecendo que o propósito especial das Escrituras não é histórico, moral ou científico, mas salvífico, eles não diminuíram a sua autoridade de forma alguma: nem por adições ou suplementos, nem por reduções ou limitações de qualquer natureza. A fé reformado-puritana reconhece a autoridade de todo o conteúdo das Escrituras, e sua plena suficiência e suprema autoridade em matéria de fé e práticas eclesiásticas.

Tão importante foi a redescoberta destas doutrinas pelos Reformadores, que pode-se afirmar que, da aplicação prática das mesmas, decorreu, em grande parte, a profunda reforma doutrinária, eclesiástica e litúrgica que deu origem às igrejas protestantes. Todas as doutrinas foram submetidas à autoridade das Escrituras. Todos os elementos de culto, cerimônias e práticas eclesiásticas foram submetidos ao escrutínio da Palavra de Deus. A própria vida (trabalho, lazer, educação, casamento, etc.) foi avaliada pelo ensino suficiente e autoritativo das Escrituras. Muito entulho doutrinário teve que ser rejeitado. Muitas tradições e práticas religiosas acumuladas no curso dos séculos foram reprovadas quando submetidas ao teste da suficiência e da autoridade suprema das Escrituras. E a profunda reforma religiosa do século XVI foi assim empreendida.

Mas muito tempo já se passou desde então. O evangelicalismo moderno recebeu, especialmente do século passado, um legado teológico, eclesiástico e litúrgico que precisa ser urgentemente submetido ao teste da doutrina reformada da autoridade suprema das Escrituras. É tempo de reconsiderar as implicações desta doutrina. É tempo de reavaliar a nossa fé, nossas práticas eclesiásticas e nossas próprias vidas à luz desta doutrina. Afinal, admitimos que a Igreja reformada deve estar sempre se reformando — não pela conformação constante às últimas novidades, mas pelo retorno e conformação contínuos ao ensino das Escrituras.

Sabendo que a nossa natureza pecaminosa nos impulsiona em direção ao erro e ao pecado, conhecendo o engano e a corrupção do nosso próprio coração, reconhecendo os dias difíceis pelos quais passa o evangelicalismo moderno (particularmente no Brasil), e a ojeriza doutrinária, a exegese superficial e a ignorância histórica que em grande parte caracterizam o evangelicalismo moderno no nosso país, não temos o direito de assumir que nossa fé e práticas eclesiásticas sejam corretas, simplesmente por serem geralmente assim consideradas. É necessário submeter nossa fé e práticas eclesiásticas à autoridade suprema das Escrituras.

Assim fazendo, não é improvável que nós, à semelhança dos Reformadores, também tenhamos que rejeitar considerável entulho teológico, eclesiástico e litúrgico acumulados nos últimos séculos. Não é improvável que venhamos a nos surpreender, ao descobrir um evangelicalismo profundamente tradicionalista, subjetivo e racionalista. Mas não é improvável também que venhamos a presenciar uma nova e profunda reforma religiosa em nosso país. Que assim seja!

 English Abstract

In this article on reformed theology Anglada deals with the reformed doctrine of the supreme authority of Scripture. Assuming a theological, ecclesiastical and liturgical crisis in modern evangelicalism, particularly in Brazil, he summarizes the biblical basis of the doctrine, and alerts against the old and new tendencies of usurping or limiting the authority of God’s Word. Among the usurping tendencies against the authority of Scripture, he includes the ecclesiastical traditions degenerated into traditionalism, emotions degenerated into emotionalism, and reason degenerated into rationalism. Among the limiting tendencies he mentions the liberal negation of the very foundation of Biblical authority, the neo-orthodox confusion concerning the certainty of the authority of Scripture, and the neo-evangelical limitation of the scope of its authority. He concludes the article by calling attention to the importance of the doctrine in the sixteenth-century Reformation and by suggesting that if the modern evangelical faith and ecclesiastical practices were subjected to the scrutiny of this doctrine, a considerable number of doctrines and ecclesiastical practices would have to be rejected, and a new reformation would take place. __________________________

Notas

* Este artigo foi originalmente publicado na revista Fides Reformata 2:2 (1997).

1 Ver, por exemplo, William Ames, A Fresh Suit against Human Ceremonies in God’s Worship (Rotterdam, 1633); David Calderwood, Against Festival Days, 1618 (Dallas: Naphtali Press, 1996); George Gillespie, Dispute against the English Popish Ceremonies Obtruded on the Church of Scotland (Edinburgh: Robert Ogle and Oliver & Boyd, 1844); e John Owen, "A Discourse concerning Liturgies and their Impositions," em The Works of John Owen, vol. 15 (Edinburgh: The Banner of Truth Trust, 1965).

2 Cf. John MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho: Quando a Igreja se torna como o Mundo (São José dos Campos: Editora Fiel, 1997) e Paulo Romeiro, Evangélicos em Crise: Decadência Doutrinária na Igreja Brasileira (São Paulo: Mundo Cristão, 1995).

3 Ver capítulo sobre a "Consciência Puritana," em J. I. Packer, Entre os Gigantes de Deus: Uma Visão Puritana da Vida Cristã (São José dos Campos: Editora Fiel, 1991), 115-132.

4 Sobre o conceito reformado de inspiração e infalibilidade (inerrância) das Escrituras, ver L. Berkhof, Introducción a la Teología Sistemática (Grand Rapids: The Evangelical Literature League, [1973]), 159-190; A. A. Hodge, Evangelical Theology: A Course of Popular Lectures (Edinburgh and Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1976), 61-83; Loraine Boettner, Studies in Theology (Phillipsburg and New Jersey: Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1978), 9-49; e J. C. Ryle, Foundations of Faith: Selections From J. C. Ryle’s Old Paths (South Plainfield, New Jersey: Bridge Publishing, 1987), 1-39.

5 Cf. também Salmo 119.39, 43, 62, 75, 86, 89, 106, 137, 138, 142, 144, 160, 164, 172; Mateus 24.34; João 17.17; Tiago 1.18; Hebreus 4.12 e 1 Pedro 1.23,25.

6 Lloyd-Jones afirma que essas expressões são usadas 3.808 vezes no Antigo Testamento; e que os que assim se expressavam estavam deixando claro que não expunham suas próprias idéias ou imaginações. D. Martin Lloyd-Jones, Authority (Edinburgh and Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1984), 50.

7 Ver também Atos 28.25 e Hebreus 4.3, 5.6 e 10.15-16.

8 O termo empregado é gegraptai. O tempo perfeito indica uma ação realizada no passado, cujos resultados permanecem no presente: foi escrito e permanece válido, falando com autoridade.

9 Outras evidências da autoridade divina das Escrituras são apresentadas por Lloyd-Jones, Authority, 30-50; e por John A. Witmer, "The Authority of the Bible," Bibliotheca Sacra 118:471 (July 1961): 264-27.

10 O Talmud inclui também a Gemara, comentários rabínicos sobre o Mishnah, escritos entre 200 e 500 AD (C. L. Feinberg, "Talmude e Midrash," em J. D. Douglas, ed., O Novo Dicionário da Bíblia, vol. 3 (São Paulo: Edições Vida Nova, 1979), 1560-61.

11 Conferir também Mateus 15.3ss.

12 Berkhof, Introducción a la Teología Sistemática, 207.

13 Um exemplo bem atual: há poucos dias atrás, cientistas anunciaram que pesquisas feitas com o DNA dos fósseis do assim chamado homem de Neanderthal — até então "inquestionavelmente" considerado um dos antepassados mais recentes do homem na cadeia evolutiva —, revelam que esses ossos nada têm a ver com a raça humana. Exemplos como estes repetem-se continuamente, e deveriam tornar-nos cautelosos em atribuir à ciência autoridade maior do que a da revelação bíblica.

14 C. Pinnock, citado por Keun-Doo Jung, "A Study of the Authority with Reference to The Westminster Confession of Faith." (Tese de Mestrado, Potchefstroom [South Africa] University for Christian Higher Education, 1981), 45.

15 G. D. Kaufman, ibid., 45.

16 Ensinada no parágrafo V do capítulo I da Confissão de Fé de Westminster.

17 Ibid.

18 Outros dados sobre a importância da doutrina reformada da autoridade das Escrituras em relação à teologia liberal e à neo-ortodoxia podem ser obtidos em Lloyd-Jones, Authority, 30-61; John A. Witmer, "Biblical Authority in Contemporary Theology," Bibliotheca Sacra 118:469 (January 1961), 59-67; e Kenneth S. Kantzer, "Neo-Orthodoxy and the Inspiration of Scripture," Bibliotheca Sacra 116:461 (January 1959), 15-29.

19 Ver G. C. Berkouwer, Studies in Dogmatics: Holy Scripture (Grand Rapids: Eerdmans, 1975) e Ronald Gleason, "In Memoriam: Dr. Gerrit Cornelius Berkouwer," Modern Reformation 5:3 (May/June 1996), 30-32.

20 Alguns eruditos têm considerado a doutrina reformada tradicional da autoridade das Escrituras conforme ensinada pelos teólogos de Princeton, tais como Charles Hodge (1797-1878), Alexander Hodge (1823-1886) e B. B. Warfield (1851-1921), como um desvio do ensino dos Reformadores e da Confissão de Fé de Westminster. Ver, por exemplo, Ernest Sandeen, The Roots of Fundamentalism: British and American Millenarianism, 1800-1930 (Chicago: University of Chicago Press, 1970). Alguns, como Jack Rogers e Donald McKim, The Authority and Interpretation of the Bible: A Historical Approach (San Francisco: Harper & Row, 1979), chegam a defender que a doutrina reformada das Escrituras encontra seus legítimos representantes em Abraham Kuyper (1837-1920) e Herman Bavinck (1854-1921), os quais teriam se antecipado aos esforços de Karl Barth e G. C. Berkouwer no sentido de restaurar a verdadeira tradição reformada. Outros, entretanto, têm demonstrado que estas teses não procedem, visto que os teólogos de Princeton estão em substancial harmonia com outros que os antecederam, e com Kuyper e Bavinck. Ver Randall H. Balmer, "The Princetonians and Scripture: A Reconsideration," Westminster Theological Journal 44:2 (1982): 352-365; e Richard B. Gaffin, Jr., "Old Amsterdam and Inerrancy?," Westminster Theological Journal 44:2 (1982), 250-289; 45:2 (1983): 219-272.

21 Uma demonstração da posição reformada e protestante histórica da inerrância das Escrituras em português pode ser encontrada em John H. Gerstner, "A Doutrina da Igreja sobre a Inspiração Bíblica," em James Montgomery Boice, ed., O Alicerce da Autoridade Bíblica, 2a ed. (São Paulo: Vida Nova, 1989), 25-68.

22 Herman Ridderbos, Studies in Scripture and its Authority (Grand Rapids: Eerdmans, 1978), 24.

Autor: Rev. Paulo Anglada,  é ministro presbiteriano, professor de Grego e Hermenêutica no Seminário Teológico Batista Equatorial e presidente da Associação Reformada Palavra da Verdade, na cidade de Belém. É mestre em Teologia pela Potchefstroom University for Christian Higher Education (África do Sul) e doutorando em Ministério no Westminster Theological Seminary, na Califórnia. 

Fonte: Biblioteca Reformada - http://www.geocities.com/arpav/biblioteca/

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A Centralidade de Palavra

Na visão reformada, a Bíblia ocupa o centro do culto, pois é através dela que Deus nos fala. Calvino afirmou: "... a função peculiar do Espírito Santo consiste em gravar a Lei de Deus em nossos corações" [1][1]. A Igreja é a "escola de Deus" [2][2]. O Espírito é o "Mestre" [3][3] (o “Mestre interior”)[4][4]. Para progredir nessa escola, “...devemos antes renunciar nosso próprio entendimento e nossa própria vontade” [5][5].

A pregação não deve ser rejeitada (lTs 5:19-21); deve ser entendida como a Palavra de Deus para nós; recusá-la é o mesmo que rejeitar o Espírito (cf. lTs 4:8). Como há falsos pregadores e falsos mestres, é necessário "provar" o que está sendo proclamado para ver se o seu conteúdo se coaduna com a Palavra de Deus (At 17: 11-12/ I Jo. 4: 1-6). No entanto, os homens querem ouvir mais o reflexo de seus desejos e pensamentos, a homologação de suas práticas. Assim, a palavra, que deveria ser profética, tende com freqüência a se tornar apenas apetecível ao "público-alvo", aos seus valores e devaneios, ou, então, nós, pregadores, somos tentados a usar a "eloqüência" para compartilhar generalidades da semana, sempre, é claro, com uma alusão bíblica aqui ou ali, para justificar a "pregação" [6][6].

O fato é que uma geração incrédula é sempre crítica para com a palavra profética. Marvin Vincent estava certo ao declarar: "A demanda gera o suprimento. Os ouvintes convidam e moldam seus pregadores. Se as pessoas desejam um bezerro para adorar, o ministro que fabrica bezerros logo é encontrado" [7][7]. É preciso atenção redobrada para não cair nessa armadilha, uma vez que não é difícil confundir os efeitos de uma mensagem com o conteúdo do que anunciamos: a pregação deve ser avaliada pelo seu conteúdo, não pelos resultados. Esse assunto está ligado à vertente relacionada ao crescimento de Igreja. Iain Murray está correto ao afirmar:

o crescimento espiritual na graça de Cristo vem em primeiro lugar. Onde esse crescimento é menosprezado em troca da busca de resultados, pode haver sucesso, mas será de pouca duração e, no final, diminuirá a eficácia genuína da Igreja. A dependência de número de membros ou a preocupação com números freqüentemente tem se confirmado como uma armadilha para a Igreja.[8][8]

A confusão entre conteúdo e resultado é fácil de ser feita porque, como acentua John MacArthur Jr.: "O pregador que traz a mensagem que mais necessitam ouvir é aquele que eles menos gostam de ouvir".[9][9] Portanto, a popularidade pode, em muitos casos, ser um atestado da infidelidade do pregador na transmissão da voz profética. Lembremo-nos: "Toda a tarefa do ministro fiel gira em torno da Palavra de Deus - guardá-la, estudá-la e proclamá-la".[10][10] E: "Ninguém pode pregar com poder sobrenatural, se não pregar a Palavra de Deus".[11][11] Quanto mais confiarmos no poder de Deus operante através da Palavra, menos estaremos dispostos a confiar em nossa suposta capacidade. A Palavra que pregamos jamais será ineficaz no seu propósito.[12][12]

O pregador não "compartilha" opiniões nem dá "opiniões" sobre o texto bíblico, nem faz paráfrase irreverente do texto. O objetivo é expressar o que Deus disse sob a iluminação do Espírito. Pregar é explicar e aplicar a Palavra aos ouvintes. O aval de Deus não é sobre nossas teorias e escolhas, nem sobre a "graça" de piadas, mas sobre sua Palavra. Portanto, o pregador prega o texto, de onde provém a verdade de Deus para o seu povo. "Quando nos propomos a expor um texto, precisamos declarar exatamente o que o texto afirma".[13][13]

Quando Cristo retomar, certamente ele não se interessará por nossa escola homilética ou se fomos "progressistas" ou "conservadores", mas sim se fomos fiéis à Palavra em nossa vida e pregação. Devemos estar sinceramente atentos ao que o Espírito diz à Igreja através da Palavra. Isto é válido para quem ouve e para quem prega.

Outra verdade que precisa ser ressaltada é que apesar de muitos de nós não sermos "grandes" pregadores ou existirem pregadores infiéis, Deus fala. Por isso, há a responsabilidade de ambos os lados: quem prega, pregue a Palavra; quem ouve, ouça com discernimento a Palavra do Espírito de Deus.

A pregação foi o meio deliberadamente escolhido por Deus para transformar pessoas e edificar seu povo, preservando a sã doutrina através da Igreja, que é o baluarte da verdade.

Autor. Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

Fonte: Fundamentos da teologia reformada, pg. 139-142, Editora Mundo Cristão. Compre este maravilhoso livro em www.mundocristão.com.br

Estudo digitado pelo caríssimo irmão e colaborado do site Teologia Calvinista: Davi Barrozo de Carvalho








Estudar teologia não é uma área segregada à academia teológica; não pertence à esfera de intelectuais maçantes que se preocupam em descobrir e firmar termos técnicos incompreensíveis aos demais mortais; não é monopólio daqueles que escrevem livros meramente para adquirir a respeitabilidade e admiração de seus colegas docentes; nem pertence a mosteiros anacrônicos, que procuram se aproximar de Deus distanciando-se do mundo que Ele criou. Mas é tarefa de todas as pessoas – quer elas reconheçam esse dever, quer não. É simplesmente pesquisar no lugar correto sobre a pessoa de Deus através do estudo do que ele é, e do que ele faz.

Ter uma compreensão teológica adequada, extraída da fonte correta, sobre a pessoa e os atos de Deus, é o que nos coloca no rumo do reconhecimento e glorificação da Sua Pessoa. Essa compreensão das coisas que podemos aprender sobre a divindade, tem que ser sedimentada nos corações pelo poder soberano do Espírito Santo e correlacionada com as atividades do dia-a-dia, pelo poder salvador de Cristo Jesus – Criador e centro da Criação. Isso é o que dá sentido à nossa existência e é o que nos aproxima da nossa finalidade original, que foi distorcida e desviada pelo pecado. É a ante-sala da eternidade, aqui na terra.

Existe, portanto, a propriedade do estudo desta área de conhecimento. Deve ser reconhecida, também, a centralidade do estudo da teologia, na gama de conhecimentos disponíveis ao homem. Estudar teologia é algo importante para que compreendamos a vida e o nosso papel nela. Teologia, em seu conceito, é o summum bonum do pensar: nada a excede em importância e relevância e todas as pessoas, quaisquer que sejam as suas carreiras ou profissões, deveriam estar envolvidas nesse estudo. Essa atividade intelectual não é antagônica nem contraditória à verdadeira piedade e devoção a Deus. Muitos, é verdade, advertem contra o estudo da teologia. Vários a contrapõem à piedade cristã; e ainda outros acham que o muito estudar afasta de Deus. Mas a realidade é que esse pensar é fruto do “espírito anti-intelectual dessa geração”, que “tem se infiltrado de tal maneira na igreja, que eles recusam a crer que alguma atividade intelectual possua valor intrínseco”.[1] É preciso, entretanto, nadar contra a corrente e resgatar um estudo lógico, profundo, sistemático sobre o Deus verdadeiro.

Tudo isso começa com uma compreensão da doutrina das Escrituras. Com a verificação e aceitação que elas são Palavra de Deus, a base de tudo que se possa compreender sobre as demais doutrinas. A Confissão de Fé de Westminster tem essa progressão lógica. As doutrinas de Deus, do Homem, de Cristo, e da Salvação são estudadas após as estacas estarem firmadas na Palavra Inspirada. A partir dessa fonte é que elas são apresentadas Para o estudo da teologia é necessário, portanto, o saudável apreço pela Escritura; pelo lugar básico do meio de comunicação de Deus para com as pessoas – a Bíblia – como fonte do conhecimento religioso e como lugar onde encontramos as respostas às questões principais relacionadas com o nosso propósito e nosso destino.

Precisamos fugir do subjetivismo que tem mirrado as mentes cristãs, e voltarmos à revelação proposicional e objetiva da Palavra de Deus. Não podemos nos deslumbrar ou nos enganar com a pretensa super-espiritualidade contemporânea, que pretendendo estar mais próxima de Deus em um enlevo místico-misterioso, no qual dialoga-se com Deus, recebe-se revelações; fala-se muito em amor, em vida, em ministério, em pregação, em poder, em maravilhas, em atividades, em louvor; enquanto que progressiva e paralelamente há demonstração de afastamento e desprezo para com a única fonte de revelação objetiva que Deus nos legou: As Sagradas Escrituras.

As Escrituras não se constituem em uma mera compilação ou registros das formulações e reflexos do pensar teológico humano, ao longo dos tempos. A Bíblia não representa a apreensão subjetiva, e estritamente humana, de comunidades “lucanas”, “petrinas”, “paulinas” – eivadas de erros, mitos e cacoetes próprios, que precisam ser “descontruídos” para se chegar ao cerne de uma mensagem desfigurada e anacrônica. Muitos livros existem que tratam a Bíblia dessa maneira. O liberalismo teológico tem tomado de assalto diversos segmentos da igreja cristã. Tais trabalhos não servem ao proveito real de ninguém, a não ser à suposta intelectualidade dos autores, antigos e contemporâneos, que assim pretendem se colocar como juizes sobre os textos inspirados. A Bíblia é a palavra inspirada de Deus – merecedora de toda confiabilidade; livre de erro; fonte confiável de instrução ao homem sobre Deus e seus atos criativos, de justiça e redentivos, na história.

O estudo da Teologia constitui-se em uma abordagem objetiva, sistemática e lógica dos dados encontrados nas Escrituras e esse tipo de estudo anda por demais ausente do chamado evangelicalismo. Vivemos em meio a um mar de posições amorfas e pseudo-amorosas que inundam o campo editorial cristão e, com muita intensidade, até o reformado. É necessário trabalhar com propriedade os textos, conceitos e doutrinas e laborar em lógica de pensar – algo perdido e raro entre os evangélicos. É necessário que tenhamos mais vozes que defendam clara e apaixonadamente a infalibilidade das Escrituras.

Temos que apreciar esse papel fundamental da Bíblia. Os reformadores, no século XVI, compreenderam isso. A fé reformada procura fazer com que a interpretação das escrituras seja a mais objetiva possível, de tal forma que o elemento subjetivo esteja sempre sujeito à visão mais transparente e proposicional do texto. Nesse sentido, o resgate do Sola Scriptura, na Reforma, e o re-ensinar da doutrina do sacerdócio universal dos crentes – que, além de outras implicações, nos autoriza a ir até a Bíblia e verificar o que Deus nos falou através de seus autores inspirados, foi passo gigantesco no mundo do subjetivismo e do misticismo em que havia mergulhado a igreja medieval.

Os cristãos não podem se render ao ressurgimento contemporâneo dessa situação eclesiástica, dominada por mentes teológicas atrofiadas, vendidas ao misticismo e subjetivismo, presente em tantas formas cúlticas e de louvor de igrejas, ou de “comunidades” cristãs. Não podemos nos esquecer que Paulo, em Romanos 12.1-2, diz que Deus quer de nós o nosso “culto racional”, com a “renovação da nossa mente”, para que “experimentemos...”. Ou seja, a experiência deve estar subjugada ao entendimento. Mesmo que a racionalidade esteja ausente do nosso meio; mesmo que o subjetivismo esteja patente, com a negação das Escrituras como única fonte confiável de conhecimento religioso; mesmo que inúmeras pessoas passem a dar importância ao direcionamento que “sentem”, ao “recebimento” de revelações e profecias; devemos permanecer racional e firmemente alicerçados na Palavra e sempre considerar bem-vindas obras e livros que tenham essa mesma abordagem e compreensão.

Devemos ser estimulados a pensar e a defender a nossa compreensão e convicções – ou a modificá-las, quando sentirmos o peso da argumentação bíblica e assim formos direcionados pelo soberano Espírito Santo de Deus.

Presb. Solano Portela

Fonte: Blog Tempora e Mores  http://tempora-mores.blogspot.com postado dia Domingo, 16 de Março de 2008 às 23:18hs.
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[1] Introdução à Teologia sistemática de Vincent Cheung (São Paulo: Arte Editorial, 2008), p. 5, cujo prefácio escrevi. Aquele prefácio serviu de base, com adaptações, para este ensaio. Apesar de minha discordância com Cheung em alguns escritos seus, este livro (Introdução...) é um livro estimulante e que demonstra apreço pela Palavra de Deus.

Ilustração: Sala de Teologia do Strahovský Klášter de Malá Strana, na cidade de Praga .



O Deus que Fala

Encontramos a palavra de Deus em suas várias relações nos três primeiros capítulos da Bíblia. Veja primeiro a história da criação, em Gênesis 1.

Parte do propósito desse capítulo é nos assegurar de que cada item que nos rodeia foi colocado ali por Deus. O primeiro versículo apresenta o tema exposto no resto do capítulo

-"No princípio Deus criou os céus e a terra". O segundo versículo apresenta a circunstância dos acontecimentos de modo a mostrar uma análise detalhada da ação de Deus. Tratava-se de uma situação em que a terra era vazia, sem vida, escura e totalmente coberta de água. Então o versículo 3 nos diz como Deus falou no meio desse caos e esterilidade.

"Disse Deus: 'Haja luz'", e o que aconteceu? Imediatamente "houve luz". Mais sete vezes (v. 6,9,11,14,20,24,26) a palavra criadora de Deus "haja..." foi pronunciada, e passo a passo as coisas começaram a ser feitas e ordenadas. Dia e noite (v. 5), céu e mar (v. 6), mar e terra (v. 9) foram separados. Vegetação (v. 12), corpos celestes (v. 14), peixes e aves (v. 20), insetos e animais (v. 24) e finalmente o ser humano (v. 26) apareceram. Tudo foi feito pela palavra de Deus (Sl 33:6, 9; Hb 11:3; 2Pe 3:5).

A história, porém, atinge agora outro estágio. Deus fala com o homem e com a mulher que ele fizera. "Deus [...] lhes disse [...]" (v. 28). Aqui Deus se dirige diretamente aos seres humanos, e assim começou a amizade entre Deus e eles. Note as mudanças que vão ocorrendo nas ordens de Deus ao ser humano na história. A primeira palavra de Deus a Adão e a Eva foi de comando, convocando-os a cumprir a vocação da humanidade de dirigir a ordem criada. "Sejam férteis [...] Dominem [...]" v. 28). Segue depois uma palavra de testemunho ("Eis [...]" v. 29) em que Deus explica que toda vegetação, colheita e frutos foram feitos para alimentar pessoas e animais. Encontramos, a seguir, uma proibição com a devida penalidade: "mas não coma da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque no dia em que dela comer, certamente você morrerá" (2:17).

Finalmente, depois da queda, Deus se aproxima de Adão e Eva e lhes fala outra vez, e agora suas palavras são de promessa, favorável e desfavorável. Se, de um lado, diz que a semente da mulher esmagará a cabeça da serpente, de outro determina o sofrimento de Eva no parto, o trabalho frustrante de Adão e a morte certa para ambos (3:15-19).

Aqui, no ritmo destes três curtos capítulos, vemos a palavra de Deus em todas as relações que ela mantém com o mundo e com o ser humano. De um lado, determina as circunstâncias e o ambiente do homem, de outro ordena que o homem obedeça, solicita-lhe a confiança e abre-lhe a mente do Criador. No resto da Bíblia vemos muitas novas ordenanças de Deus, mas nenhuma outra categoria de relacionamento entre a palavra de Deus e suas criaturas. Em vez disso, a apresentação da palavra de Deus em Gênesis 1 a 3 é reiterada e confirmada.

Portanto, a Bíblia inteira declara que todas as circunstâncias e todos os acontecimentos no mundo são determinados pela palavra de Deus, o Criador onipotente: "Haja...". As Escrituras descrevem tudo o que acontece como cumprimento da palavra de Deus, desde alterações climáticas (Sl 147:15-18; 148:8) até a ascensão e o declínio das nações. O fato de que a palavra divina realmente determina os eventos mundiais foi a primeira lição que Deus ensinou a Jeremias quando o chamou para profeta: "Veja! Eu hoje dou a você autoridade sobre as nações e reinos, para arrancar, despedaçar, arruinar e destruir; para edificar e plantar" (Jr 1:10).

Mas como poderia ser isso? O chamado de Jeremias não era para que ele se tornasse diplomata ou alguém poderoso, mas para ser profeta, o mensageiro de Deus (v. 7). Como poderia um homem sem nenhuma posição oficial, cujo único trabalho seria falar, ser descrito como juiz das nações indicado por Deus? Apenas por ter na boca a palavra de Deus (v. 9). Todas as palavras que Deus lhe deu sobre o destino das nações seriam certamente cumpridas. Para que isso ficasse bem fixado na mente de Jeremias, Deus lhe proporcionou a primeira visão: '"O que você vê, Jeremias?' Vejo o ramo de uma amendoeira (shaqed) [...] Você viu bem: pois estou vigiando (shoqed) para que a minha palavra se cumpra'" (Jr 1:11,12).

Por meio de Isaías, Deus proclamou a mesma verdade desta forma: "Assim como a chuva e a neve descem dos céus e não voltam para eles sem regarem a terra e fazerem-na brotar e florescer [...] assim também ocorre com a palavra que sai da minha boca: ela não voltará para mim vazia, mas fará o que desejo..." (Is 55:10,11). A Bíblia toda mantém a afirmação de que a palavra de Deus é seu instrumento executivo em todos os assuntos humanos. A respeito dele e de ninguém mais, é verdade que o que ele diz acontece. Na verdade, é a palavra de Deus que governa o mundo e que determina nosso destino.

A Bíblia coerentemente apresenta a palavra de Deus vindo a nós das três maneiras como foi expressa no jardim do Éden. Às vezes nos chega como lei — no Sinai, em diversos sermões dos profetas, em muitos ensinamentos de Cristo, na ordem evangélica para o arrependimento (At 17:30) e para crer no Senhor Jesus Cristo (1Jo 3:23). Às vezes ela vem como promessa — como na promessa da posteridade e na aliança feita com Abraão (Gn 15:5; 17:1-8), a promessa de redenção no Egito (Êx 3:7-10), a promessa do Messias (Is 9:6,7; 11:1,2) e do Reino de Deus (Dn 2:44; 7:14) e no Novo Testamento promessas da justificação, ressurreição e glorificação para os cristãos.

Às vezes ela vem mais uma vez como testemunho — a instrução divina a respeito dos fatos da fé e dos princípios da piedade na forma de narração histórica, argumento teológico, salmo e sabedoria. O fato de o chamado da palavra de Deus ser para nós absoluto é sempre ressaltado: devemos receber a palavra, confiar nela e obedecer-lhe porque é a palavra de Deus, o Rei. A essência da impiedade é a obstinação orgulhosa deste "povo ímpio, que se recusa a ouvir as minhas palavras" (Jr 13:10). A marca da verdadeira humildade e piedade está em que a pessoa "treme diante da minha palavra" (Is 66:2).

Autor: J. I. Packer

Fonte: O Conhecimento de Deus, Editora Mundo Cristão, Cap. 11. Compre este maravilhosos livro em www.mundocristao.com.br



O Argumento da Natureza da Bíblia

Quando consideramos a natureza da Bíblia, somos forçados a chegar a uma única conclusão: Ela é a incorporação de uma revelação divina. Consideremos, em primeiro lugar, o conteúdo da Bíblia. Este livro inteiro reconhece a personalidade, unidade e trindade de Deus; ele magnífica a santidade e o amor de Deus; explica a criatura como sendo uma criação direta de Deus, feita à semelhança de Deus; mostra a queda do homem como uma livre rebeldia contra a vontade revelada de Deus; mostra o pecado como sendo indesculpável e sob pena de castigo eterno; ensina sobre o governo soberano de Deus no universo; apresenta, com grandes detalhes a salvação providenciada por Deus e as condições pelas quais ela pode ser experimentada; delineia os propósitos de Deus com respeito a Israel e a Igreja; prediz o desenvolvimento do mundo, socialmente, economicamente, politicamente e religiosamente; retrata o clímax de todas as coisas na segunda vinda de Cristo, as ressurreições, os julgamentos, o milênio e o estado eterno. Que conceito e que livro! Quem, a não ser Deus, poderia ter inventado tal esquema e quem, além dEle, poderia ter registrado tudo por escrito?

Consideremos, em segundo lugar, a unidade da Bíblia. Apesar de ter sido escrita por uns quarenta autores diferentes durante um período de aproximadamente 1. 600 anos, a Bíblia é um só livro. Tem um só sistema doutrinário, um só padrão moral, um só plano de salvação, um só programa das eras. As diversas narrativas ali encontradas dos mesmos incidentes e ensinamentos não são contraditórios, mas suplementares. Por exemplo, as palavras escritas na cruz foram, sem dúvida, as seguintes: “Este é Jesus de Nazaré, o Rei dos Judeus”. Mateus diz: “Este é Jesus, o Reis dos Judeus” ( Mt. 27: 37 ); Marcos: “O Rei dos Judeus” ( Marcos 15: 26 ); Lucas: “Este é o Reis dos Judeus” ( 23: 38 ); e João: “Jesus Nazareno, o Rei dos Judeus” ( 19: 19 ). Vemos a lei e a graça harmonizarem-se quando entendemos a natureza e o propósito exatos de cada uma. Os relatos de homens e nações que praticaram o mal são inofensivos e até mesmo úteis se percebemos que são registrados para serem condenados. A doutrina do Espírito Santo se harmoniza na natureza progressiva da revelação desta verdade. Falando a respeito das Escrituras Maometanas, Zoroastranas e Budistas, Orr diz que elas são

destituídas de começo, meio e fim. Elas são, na maior parte, coleções de materiais heterogêneos, juntados ao acaso. Quão diferente, todos têm que reconhecer, é o caso da Bíblia! De Gênesis ao Apocalipse, sentimos que este livro é uma unidade no verdadeiro sentido da palavra. Não é uma coleção de fragmentos mas tem, como costumamos dizer, uma natureza orgânica ... Não há nada exatamente parecido com ela, ou que mesmo se aproxime dela, em toda literatura”. James Orr, The Problem of the Old Testament ( O Problema do Velho Testamento ) ( New York: Chas. Ser´s Sons, 1906 ).

            Considerando o conteúdo e unidade da Bíblia, parecemos ser obrigados a concluir que ela é a incorporação de uma revelação divina. Que homem poderia ter inventado tal visão do mundo e da vida; que autores poderiam apresentá-la de forma tão harmoniosa e autoconsistente? Afirmamos, portanto, que a natureza da Bíblia prova ser ela a incorporação de uma revelação divina.

Autor: Henry Clarence Thiessen

Fonte: Palestras em Teologia Sistemática - p. 49 e 50.  – Boletim IPB Jd Limoeiro www.ipblimoeiro.v10.com.br 

 



[1][1] O livro dos Salmos, vol.2, p228.
 
[2][2] As Pastorais, p. 136; O profeta Daniel:1- 6, vol. 1, p.190.
 
[3][3] Exposição de Romanos, p. 58.
 
[4][4] As institutas, III 1.4; III. 2. 34; IV. 14. 9.
 
[5][5] Exposição de I Coríntios. P. 100.
 
[6][6] Veja D Martyn Lloyd-Jones, As insondáveis riquezas de Cristo, p. 52
 
[7][7] Word studies in the New Testament, vol. 4, p. 321.
 
[8][8] “A igreja crescimento e sucesso”, em fé para hoje,n°6, 2000
 
[9][9]Com vergonha do evangelho,p. 35. Packer faz uma pergunta inquietante: “Costumamos lamentar, hoje em dia, que os ministros não sabem pregar; mas não é igualmente verdadeiro que nossas congregações sabem ouvir?”(entre os gigantes de Deus: Uma visão puritana da vida cristã, p. 275).
 
[10][10] John F. MacArthur Jr., Com vergonha do evangelho, p. 29.
 
[11][11] Idem, p. 30.
 
[12][12] Veja Bryan Chapell, Pregação cristocêntrica, p. 22.
 
[13][13] Kenneth A. Macrae, “ A pregação e o perigo do comprometimento”, em: Fé para hoje, n° 7, p. 4.
 

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