Décimo Quinto Dia
O princípio da Tolerância na vida da Igreja
Se há um encargo no seu coração pela
edificação da Igreja você deve estar atento para algo que tem o poder
de destruir vida da Igreja: é a intolerância.
Falar de intolerância dentro da igreja
tornou-se um pouco difícil por causa da mentalidade desse século. No
mundo a tolerância tem sido exaltada como a maior virtude de todas. Para
os pensadores e intelectuais desse mundo a intolerância é o único
pecado que não pode ser tolerado.
Mas o que a nossa cultura moderna
realmente ensina é a “neutralidade forçada”. Eles rejeitam qualquer um
que se opõe ao pensamento prevalecente da sociedade. Isso evidentemente
não é uma tolerância genuína. Se alguém me pergunta, por exemplo, o que
eu penso do islamismo, eu diria que o ensinamento deles é frontalmente
contra o ensinamento do cristianismo, mas defendemos o direito de um
muçulmano de praticar livremente a sua religião. Essa é a tolerância
legítima.
Mas o que o mundo quer que falemos é
algo do tipo: “Bem, nós pensamos que o islamismo é tão verdadeiro e
válido para conhecer a Deus, como qualquer outra religião, inclusive o
cristianismo”. Isso é “neutralidade forçada”. O mundo defende uma
hipocrisia educada.
Como o conceito de tolerância é definido
no mundo como um tipo de neutralidade forçada, as pessoas sempre vêem
os cristãos como intolerantes. A verdade é que as únicas pessoas que não
são toleradas hoje são os cristãos genuínos. É assim porque tolerante
no mundo é alguém que não acredita em coisa alguma; se defendemos uma fé
logo somos taxados de intolerantes.
Por causa de todo esse conceito mundano
muitos crentes rejeitam o conceito de tolerância em nome de sua fé e por
isso também não se importam de serem chamados de intolerantes. No
entanto a tolerância é uma virtude quando colocada no seu próprio
contexto.
O contexto a que me refiro é a vida
dentro da igreja, dentro da comunidade dos salvos. Quando somos
intolerantes com os nossos irmãos nós destruímos a vida da Igreja. É
sobre isso que Paulo fala em Romanos 14.
Acolhei ao que é débil na fé, não,
porém, para discutir opiniões. Um crê que de tudo pode comer, mas o
débil come legumes; quem come não despreze o que não come; e o que não
come não julgue o que come, porque Deus o acolheu. Quem és tu que julgas
o servo alheio? Para o seu próprio senhor está em pé ou cai; mas estará
em pé, porque o Senhor é poderoso para o suster. Um faz diferença entre
dia e dia; outro julga iguais todos os dias. Cada um tenha opinião bem
definida em sua própria mente. Quem distingue entre dia e dia para o
Senhor o faz; e quem come para o Senhor come, porque dá graças a Deus; e
quem não come para o Senhor não come e dá graças a Deus. Porque nenhum
de nós vive para si mesmo, nem morre para si. Porque, se vivemos, para o
Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. Quer, pois,
vivamos ou morramos, somos do Senhor. Foi precisamente para esse fim que
Cristo morreu e ressurgiu: para ser Senhor tanto de mortos como de
vivos. Tu, porém, por que julgas teu irmão? E tu, por que desprezas o
teu? Pois todos compareceremos perante o tribunal de Deus. Como está
escrito: Por minha vida, diz o Senhor, diante de mim se dobrará todo
joelho, e toda língua dará louvores a Deus. Assim, pois, cada um de nós
dará contas de si mesmo a Deus. Romanos 14:1-12
No mundo é considerado tolerante aquele
que não acredita em coisa alguma e uma vez que defendemos a fé, somos
taxados de intolerantes. Por causa disso muitos crentes quando ouvem a
palavra tolerância ficam na defensiva pensando que devem abrir mão de
sua fé e isso evidentemente levanta todo tipo de resistência. Mas o
contexto que gostaria de falar é a tolerância dentro da vida da Igreja.
Não podemos edificar a igreja sem a tolerância. Ela é aboslutamente
vital para que a igreja tenha vitalidade. O intolerante destrói a vida
do corpo.
1. O princípio da tolerância – Rm. 14:1
Nesse contexto quem eram o fracos e os
fortes na fé? Para entendermos isso precisamos nos localizar
historicamente. Os primeiros cristãos eram quase que exclusivamente
judeus nos primeiros anos do cristianismo. Eles não pensavam que tinham
mudado de religião, por isso continuavam guardando o sábado e observando
as leis judaicas da dieta. Logo muitos gentios se converteram e desde o
início receberam o ensino de que não precisavam guardar essas coisas.
Isso produziu um grande conflito. Os dois grupos ficavam constantemente
tentando mudar a opinião do outro. A igreja se tornou um lugar cheio de
debates e controvérsias.
A lei do Antigo Testamento em nenhum
lugar proíbe de comer carnes. Ela proíbe comer certos tipos de carne,
como carne de porco, mas permite outras carnes, como frango e carne
bovina. Com o passar do tempo surgiram muitas tradições entre os judeus
de como o animal deveria ser morto, de como a carne deveria ser cortada e
assim por diante. Como eles não sabiam se a carne vendida nos mercados
seguia os regulamentos religiosos eles concluíram que a coisa mais certa
a se fazer era se abster completamente de carne.
Para completar o quadro, toda a carne
que era vendida nos marcados naqueles dias era a carne oferecida como
sacrifício a algum ídolo. Por causa disso os judeus não comiam carne. A
lei nos os proibia de comer carne, mas eles se abstinham por
considerarem algo maligno, pois estava associado a ídolos.
Se você vivesse no império romano você
comeria carne? Você hoje comeria a carne de uma galinha que foi usada
num despacho? Então você é capaz de entender o ponto de vista de muitos
crentes daquela época. Paulo diz que a carne de si mesma não é nada, mas
alguns crentes ficavam escandalizados quando outros irmãos comiam
carne. Paulo diz que esses são os fracos na fé.
No verso primeiro Paulo diz: “Acolhei ao
que é débil na fé, não, porém, para discutir opiniões.” Na igreja de
Roma havia dois grupos que Paulo chama de os “fracos na fé” e os “fortes
na fé”. Paulo
O objetivo de Paulo é que os irmãos
aceitassem aqueles que eram fracos na fé. Aceitar aqui é mais que
apertar a mão ou dar um sorriso, é tratar o outro como um irmão genuíno e
acolhê-lo na comunhão da igreja.
Evidentemente aqueles crentes que não
comiam carne se julgavam muito santos e não toleravam os outros que
comiam. Um irmão fazendo um churrasco era visto como carnal mesmo. E os
que comiam se julgavam mais espirituais e desprezavam os outros. Tudo
isso produzia muito debate e discussão entre irmãos dos dois grupos, por
isso Paulo exorta aqueles que se achavam fortes a acolherem o que é
débil na fé.
Paulo deseja que essa aceitação seja
genuína. Não é aceitar para depois tentar mudar o outro, é ter uma
tolerância genuína, é conviver com o irmão mesmo tendo opiniões
diferentes da dele. O exemplo bíblico é o da comida, mas há hoje em dia
muitos outros assuntos que dividem os irmãos.
Mas será que devemos tolerar tudo? O que
realmente devemos tolerar? Paulo diz que devemos tolerar diferenças
quando se trata de “assuntos controvertidos” e de “coisas secundárias na
fé”.
2. O que devemos tolerar? – Rm. 14:2-3
Que tipo de comportamento ou ensino nós
devemos tolerar dentro da Igreja? A tolerância possui algum limite?
Devemos tolerar problemas morais? Essas são questões importantes que
definem os limites da nossa atitude de tolerância.
No verso 2 Paulo esclarece que o fraco
na fé é aquele cuja fé é frágil e ele não se sente confiante e seguro
para fazer certas coisas. Sua fé em Cristo é real, mas a sua consciência
o acusa por fazer certas coisas que outros irmãos fazem sem qualquer
constrangimento.
Os fracos na fé na Igreja de Roma eram
aqueles que não comiam carne, mas apenas vegetais, e consideravam alguns
dias mais santos que outros.
Paulo vê esses cristãos como “fracos na
fé”. Agora não há nenhuma evidência de que estes cristãos judeus estavam
fazendo essas coisas com o fim de serem salvos. Se eles estivessem
fazendo isso Paulo teria dito que eles estavam seguindo um falso
evangelho, como ele disse os judaizantes no livro de Gálatas.
Parece que eles simplesmente não se sentiam em paz de contrariarem tudo o que tinham aprendido desde a infância.
Os cristãos que não tinham essa
consciência fraca são descritos como “fortes na fé”. Para eles Paulo diz
no verso 3 para não desprezar os fracos como se fossem inferiores; e
aos fracos ele diz para não julgar os que comem como se fossem carnais.
O que vemos aqui não é o legalismo
judaizante que encontramos na carta de Paulo aos Gálatas, onde alguns
cristãos judeus estavam ensinando que todos tinham que abraçar a lei de
Moisés, a fim de serem salvos. O que encontramos aqui é uma diferença
honesta de opinião, e embora Paulo tenha suas próprias convicções como
alguém forte na fé, ele admite que há espaço para a diferença honesta de
opinião sobre como melhor aplicar as verdades da Palavra de Deus.
O princípio geral é que devemos ser
tolerantes quando há uma diferença de opinião sobre a aplicação de uma
verdade bíblica. O ensino de Paulo é que precisamos ser tolerantes a
respeito de doutrinas que não são essenciais ou fundamentais na fé
cristã.
Entre os Gálatas havia pessoas ensinando
um outro evangelho. Eles ensinavam que para ser salvo o homem tinha de,
além de crer em Jesus, guardar a lei de Moisés. Assim aos gálatas Paulo
é bem contundente, pois aquilo era uma heresia, um falso evangelho. Mas
em Roma, alguns cristãos simplesmente não se sentiam confortáveis
comendo todo tipo de comida e adorando em qualquer outro dia. Portanto,
neste caso, Paulo incentiva a tolerância. Quando há uma doutrina cristã
essencial da fé em jogo, como discípulos de Jesus, precisamos permanecer
firmes.
Tolerância cristã também não é
tolerância em áreas de claros absolutos morais. A Bíblia claramente
ensina que existem valores morais absolutos. Alguns cristãos pensam que a
tolerância significa abrir mão de valores morais absolutos. Hoje
existem igrejas, por exemplo, que aceitam homossexuais praticantes em
sua comunhão sendo que a Bíblia ensina claramente que o comportamento
homossexual é inaceitável diante de Deus. Não é isso que Paulo está nos
encorajando a fazer aqui. Ninguém tem o direito de diluir os claros
ensinamentos morais da Palavra de Deus.
A questão da dieta e do sábado ainda
produz debates até hoje. Outro dia ouvi de uma igreja que ensina que o
culto aos domingos é a marca da besta do livro de Apocalipse. Mesmo no
Brasil existem muitos grupos evangélicos messiânicos que guardam o
sábado e a dieta judaica.
Mas existem muitas outras áreas em nossa igreja local e no meio evangélico onde devemos aplicar o princípio da tolerância.
Veja por exemplo a questão do tipo de
batismo. O ensino bíblico é que todo o que crê deve ser batizado. Alguns
evangélicos batizam por aspersão enquanto outros batizam por imersão. O
problema é que fazem disso um fundamento de fé e assim produziram uma
divisão por causa de intolerância. Nós mesmos temos de definir como
fazemos o batismo, mas incluímos em nossa comunhão aqueles que se
batizam de forma diferente. No entanto ainda é muito comum os irmãos nas
células não aceitarem alguém que se batizou por imersão. A visão é a
aceitação dos irmãos e a unidade do corpo.
Sempre gosto de pensar naqueles dois
cegos que foram curados por Jesus. Em Marcos lemos que o Senhor
encontrou um cego e o curou apenas passando a sua saliva. Depois, lá em
João, o Senhor encontra outro cego, mas dessa vez ele mistura a saliva
com o barro e passa no olho para ser curado (Mc. 8:23 e Jo. 9:6). Aquele
que o Senhor passou apenas a saliva não foi curado instantaneamente.
Depois da primeira oração ele passou a ver os homens como árvores. O
segundo cego, porém, foi curado depois que lavou a saliva misturada com
barro na fonte de Siloé.
Eu imagino esses dois cegos se
encontrando depois. “Fiquei sabendo que você foi curado?” pergunta o
primeiro. “Ah! Sim. Eu era cego de nascença e o Senhor passou saliva no
meu olho e eu comecei a ver.” “Mas ele não misturou a saliva com o lodo e
te mandou lavar no tanque?” pergunta o primeiro. “Não. Ele só passou a
saliva” Responde o outro meio ressabiado. “Não sei não. Acho que a sua
cura não foi legítima. Não bate com a minha experiência.”
Teria cabimento um diálogo assim? Claro
que não, ams é exatamente assim que procedemos com relação a uma série
de questões na igreja. Simplesmente rejeitamos aquele que tem uma
experiência um pouquinho diferente da nossa.
Um exemplo clássico é a questão do
estilo de adoração na igreja. Este debate é sobre se uma igreja deve ter
um estilo de adoração tradicional ou um estilo de adoração
contemporânea. Ambos os lados concordam que a adoração a Deus é
importante, mas precisam tolerar o estilo um do outro.
Um assunto que tem produzido grande
intolerância entre nós é a questão do divórcio e novo casamento. Entre
os evangélicos um grupo acredita que não há segundo casamento; o outro
crê que pode haver segundo casamento no caso de traição. Há diferentes
opiniões e não temos unanimidade entre os evangélicos, por causa disso
precisamos ter a nossa posição bem definida, mas devemos tolerar aqueles
que pensam diferente de nós.
O princípio geral é que precisamos ser
tolerantes com relação a doutrinas que não são fundamentais, bem como
com costumes e hábitos próprios de alguns grupos de irmãos. Mas se diz
respeito a um fundamento da fé e se relaciona com algum valor moral
claramente expoxto nas escrituras, então não podemos tolerar.
3. As razões para tolerarmos uns aos outros – Rm. 14:4-12
Devemos receber aquele a quem Deus acolheu – 2 e 3
A melhor maneira de sabermos qual deve
ser a nossa atitude em relação a alguém é determinando qual é a atitude
de Deus em relação a ele. Se Deus aceitou a alguém quem sou eu para
rejeita-lo?
Todos pertencemos ao Senhor e vivemos para o Senhor – 4 a 9
Nenhum de nós vive para si mesmo ou
morre para si mesmo, pertencemos ao Senhor. Contanto que somos do Senhor
não importa a comida que comemos ou a forma como somos batizados ou
qual música cantamos.
E se pertencemos ao Senhor precisamos ter cuidado para não julgar um servo alheio. O nosso irmão é servo de Deus e não nosso.
Devemos receber aquele que é irmão – 10
Eu devo receber o meu irmão justamente
porque é meu irmão. Não escolhemos os nossos pais e nem nossos irmãos,
Deus os escolheu por nós. Posso não estar contente com os membros de
minha família, mas não tenho escolha, devo aceita-los.
Toda controvérsia será resolvida no tribunal de Deus – 10 a 13
O julgamento referido no verso 10 se refere ao tribunal de Cristo mencionado em II Coríntios 5:10
Porque importa que todos nós
compareçamos perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba
segundo o bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo. II Cor. 5:10
Deus nos chama para praticar a
tolerância cristã em assuntos controvertidos. Agora, só para ter certeza
que você entendeu, lembre-se que este princípio não se aplica ao
fundamento da fé cristã nem aos claros absolutos morais. Este princípio
de tolerância cristã relaciona-se com diferenças honestas de opinião
entre os crentes sobre a melhor forma de aplicar determinados princípios
bíblicos. Nesta área, a intolerância cristã deve acabar.
O princípio da tolerância é um requisito
mínimo fundamental para que haja vida de comunidade. Lembre-se, porém
que Jesus não disse: “Um novo mandamento vos dou, que tolereis uns aos
outros, por isso todas as pessoas vão saber que você são meus
discípulos, pelo fato de vocês tolerarem uns aos outros.” O padrão do
Novo Testamento é uma ética do amor, de amar uns aos outros com amor
sacrificial
O amor vai mais longe do que a
tolerância. O amor realmente se coloca diante do outro para servir, para
dar de si mesmo para aqueles que têm convicções diferentes. Só desta
forma o mundo vai olhar para nós e reconhecer que Deus está realmente em
nosso meio.
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